segunda-feira, 31 de agosto de 2009
Pesadelo
domingo, 30 de agosto de 2009
O mundo é um moinho
Ainda é cedo amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora da partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar
Preste atençao querida
Embora saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és
Ouça-me bem amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos
Vai reduzir as ilusões a pó
Preste atenção querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com teus pés
sábado, 29 de agosto de 2009
Aqueles cavalos brancos
que passavam,
trotando,
pelos silêncios de minha rua.
E como eram alvos,
essencialmente puros.
E eu, solitário cavaleiro,
a descansar meus ouvidos
naquele pleno distanciar de pernas...
Eu saltitando de alegria,
eu sufocando minha agonia,
eu crescendo,
eu perdendo meus segredos,
eu sem saber de nada
nem do mundo,
eu me desconhecendo...
sexta-feira, 28 de agosto de 2009
Caminho das Índias...
Meus alunos
quarta-feira, 26 de agosto de 2009
terça-feira, 25 de agosto de 2009
Incertezas
sábado, 22 de agosto de 2009
Sobre generosidade
quinta-feira, 20 de agosto de 2009
Amanda
quarta-feira, 19 de agosto de 2009
Andrei Tarkoviskj (Solaris)
domingo, 16 de agosto de 2009
O cotidiano
sábado, 15 de agosto de 2009
sexta-feira, 14 de agosto de 2009
Coisas
quinta-feira, 13 de agosto de 2009
Prece II
quarta-feira, 12 de agosto de 2009
Você
terça-feira, 11 de agosto de 2009
Fuga
Só sei até aqui, pois o “de agora em diante” é um mistério para mim. Talvez também para você. Nossos destinos daqui para frente se desconhecem. Quando o “de agora em diante” tornar-se somente “agora-já”, tudo ficará para trás, nebuloso em nossas memórias. A mente sempre re-arranja as lembranças, não é? Um pouco mais de cor aqui, menos luz lá. E, se julgamos que a essência se conserva, é porque somos muito pretensiosos. Além do mais, as lembranças ficam escondidas, é preciso retirá-las uma a uma, cuidadosamente. Isso requer esforço, determinação. Como o que faço agora, escrevendo enquanto o voo não sai.
Você não percebe, mas no fundo estou tentando esquecer você. Esse é o ato de maior coragem para mim. Sinto-me tão antiga e sábia e louca que poderia simplesmente ser. Vi você comprando um livro que foi embrulhado para presente. William Blake. Horas depois fomos ao correio, você o enviou para alguém que desconheço. Claro, pois se nos conhecemos antes de ontem. É preciso contar três dias.
Foi assim: eu passava na frente daquela galeria e resolvi entrar. Aprecio arte embora às vezes não entenda a proposta de algumas obras. Faço a minha leitura, mesmo de um modo tosco. Sou muito esforçada, você disse. Depois de alguns instantes, fiquei tonta do seu olhar. Aceitei o vinho branco que me deram a beber e me dispersei pela instalação. Alguma coisa se anunciava.
Esquivando-me, querendo ser sombra de mim mesma, senti o seu olhar fazendo curvas e se agachando, espichando até me encontrar. Você é feito de olhar. O jogo começava, porque esse é um jogo da nossa espécie. Se você fosse pavão abriria seu leque de penas. Eu pensava coisas assim, distraída e ao mesmo tempo querendo compreender aqueles traços rascantes. Telas doídas até a raiz. E havia vídeos por todo o salão e labirintos verticais e horizontais, se quiséssemos poderíamos entrar neles, estreitos e escuros. Senti piedade por todos nós e quis chorar um pouco um choro seco para que ninguém visse. Sem esgares, lágrimas, lenços. Tudo é labiríntico caos, entende? Isso eu queria lhe dizer.
Sim, você entendia. Lembro de como você se aproximou e disse no meu ouvido que eu havia sido escolhida para a liberdade. E sua voz era suave. Você cheirava à colônia, entre doce e picante. Fiquei quieta um tempo, depois me virei delicadamente e vi de perto esses olhos capazes de fazer um estrago na vida da gente. A partir dali eu disse sim sim sim. Sem pensar no amanhã, vivendo só o “agora-para-sempre”.
Foi fácil: nós acreditamos nas nossas mentiras, inventadas com tamanha criatividade que pareciam nutrir toda carência, todo o vazio. Disso, não sabíamos, haveria mais vazio e mais. O jogo era assim: você pintor, eu modelo. Você cantor, eu bailarina. Você bandido, eu... De detalhes ninguém precisava. Pois havia aquele fogo, aquele desvario. Como quando li Marguerite Duras, sensual e apaixonada. Eu quis ser um pouco aquela mulher de O Homem Sentado no Corredor. Você leu Duras? Você já sentiu esse fogo que queima tão dentro e tão fundo que a pele se toma de uma absurda quentura quase insuportável?
Um dia eu senti isso. Naquele tempo eu não tinha certeza da dor ou da solidão, essa certeza que hoje está em mim como uma marca. Olho no espelho e vejo. Está lá, quase como uma cicatriz. Mas eu invento que sou como a personagem do livro, explosão de libido. É porque preciso me salvar, entende? Do ruído lá de fora, da fuligem, dos becos imundos. Dos sentidos que rebentam em dor e que nos dilaceram. Então, se interpreto outras de mim vivo mudando de personagem. Você vê? É uma coisa dentro da outra.
Os três dias se foram. Eu tinha certeza que havia um relógio de areia em algum lugar. Seu olhar fugiu do meu. Nem relutamos. Você pegou suas coisas, eu as minhas. Parecia artístico deixar alguém tão dignamente. Assim foi. Apenas vasculhamos nossos corpos de um modo quase desesperado. À procura de quê? O que precisava ser saciado que desconheço? Fingir pode parecer tão verdadeiro e isso me confunde.
O voo vai sair. Atrasos, sorrisos postiços de aeromoças que parecem sempre entediadas. Eu espero apenas pelo vinho tinto servido em copinhos de plástico transparentes. Olho as comissárias de bordo, será que alguma faria o que fiz? Foi porque senti aquela quentura novamente, como os personagens de Duras? Sem telefone, internet, camareiras, campainhas. Isso você pode entender, eu sei. Parei de escrever a alguns minutos, guardei o caderninho azul na bagagem de mão.
Agora eu delineio tudo em pensamento. Que lástima. Há algo que você não vai compreender. Não, não é compulsão ou coisa desse tipo. Eu apenas tomo o que julgo ser meu. Três dias devotados a você, que simplesmente iria embora sem deixar sequer um número de telefone? Então eu penso em mim, enquanto há tempo. Um tempo dentro, e não fora. Pensei muito sobre o que transcorreu. No hotel, na rua, no café... E sei que estou com a razão. Gostaria de ver sua cara de espanto ao abrir aquele pacote quando já estiver em casa.
Fui astuciosa. Não mexi na carteira. Revirei suas coisas no último minuto, quando você desceu para pagar a conta. E deixei tudo como estava, tenho essa habilidade. Vi você guardando as pedras na noite anterior. Contou mais de uma vez. Senti algo ilícito no ar. Não perguntei nada. Apenas agi no momento certo. Sim, sim. Faço isso há tanto tempo que se tornou parte de mim. Se você não tivesse algo valioso eu levaria qualquer outra coisa, entende? É da minha natureza. Eu disse que me chamava Marnie[1], não disse?
Finalmente o vinho tinto. Elas nunca enchem o copinho de plástico. Olho pela janelinha, nuvens. Estou nas nuvens, sim. Quando chegar em casa, tomarei um longo banho de banheira. Meu corpo íntegro novamente. Minha mente leve, sem culpas. Quem disse que você poderia confiar em mim?
Verso-sopro
segunda-feira, 10 de agosto de 2009
Caravela
Um dia ela ligou a televisão ao acaso. Viu Luciano Alabarse. Ele disse: "Essa procura, coisa de geminiano mesmo". Sou aquário, disseram. O ascendente dele era Libra. O dela iam averiguar.
Eles sabiam que sim e que não.
Quando ouviam Caravela, então, eles sabiam tudo. De todas as coisas. Daí sentirem-se pobres e humanos.
Ela aproveitou o último tubo de verde e apertou-o com as mãos pequenas e magras. Os dedos espalharam a cor na parede do quarto de hóspedes. Gostavam de chamar assim aquela sala onde era também escritório e ateliê e um espaço aberto dentro da casa. Uma espécie de natureza roeu o concreto. Um musgo. Um grito. Um aviso. Riram. Não era de chorar, por enquanto.
Faziam um esforço grande. Esforço de gigantes. Para acreditar, aceder, intuir. Alguma coisa batendo forte e dentro que era o mesmo que ouvir Caravela e saber. Vinha a certeza obstinada. Seus olhos enredados em não ver além. E isso é que era perigoso. Disso não suspeitavam. Nem ouvindo Egberto. Nem bebendo brandy. Nem se lambendo. E beijando. Nem quando eram bonitos um ao outro. E ele penteava seus cabelos com os dedos. E ela alisava os dele. Nem lendo Pessoa. Nem assim.
Quando a música acabava eles ouviam o silêncio respirando. Medo? Para quê? Eles só compreendiam melhor que nada pode ser compreendido melhor. E ninguém morria. Tocavam suas bocas cheias de perguntas e vinha o beijo abafando as respostas que ainda não. Um dia, sem dúvida.
Para depois, abrir os livros e reconhecer. Para depois deitarem um sobre o outro. Para depois o depois. Bastava-lhes o amor que, esse sim, não entendiam direito de onde ou porquê. Era mistério e luz. Aquele brilho. Caravela.
Ondas batendo. Rochas.
Tudo sereno, no fundo intocado.