quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Carlos Drummond de Andrade

"Fácil é sonhar todas as noites. Difícil é lutar por um sonho".

terça-feira, 30 de outubro de 2007

As Horas

Hora cheia, hora quebrada, hora vazia

Hora aberta encoberta descabelada

Hora silenciosa de brumas e sovéus

Hora do ócio para fazer o que não

Se pretende realmente fazer fazendo

Hora cheia, hora quebrada, hora vazia

Hora vã epifânica insensata marcada

Hora de alegria plena de inquietudes

Hora dispersa reversa inversa povoada

Hora do improviso do impositivo do adeus

Hora gitana perversa acabrunhada infeliz

Hora da brincadeira e da verdade inteira

Hora do sacrifício da luta da rebeldia

Hora cheia, hora quebrada, hora vazia

Hora prenhe estéril anônima alquebrada

Sonâmbula hora macabra nosferática

Hora emblemática solene intempestiva

Hora que grunhe no chamado das horas

Que ficam batendo no relógio da igreja

domingo, 28 de outubro de 2007

Lugar Algum

Vi você com aquele jeito manso e distraído, como se o mundo apenas estivesse aí, para coisa alguma. Como quando você era criança e a gente brincava de olhar as nuvens ou deitava no tapete da sala e ouvia Bach, lembra? Você desde cedo gostava dos clássicos o que o fazia ser mimado pelo nosso pai. Eu não me importava, gostava mesmo era de resolver quebra-cabeças.
Sabe, eu não consegui dizer, mas ontem sonhei com você. Havia o
pequeno dragão sobre a mesa, que você dizia que era para proteger. A cortina deixava entrar uma luz suave que se expandia sobre a escultura e sua mão quase tocava nela com delicadeza. No sonho e na realidade houve este gesto inconcluso, pois você parou a mão no ar e ficou olhando seus próprios dedos longos, nosferáticos, se é que essa palavra existe. Foi esse gesto que me fez estremecer naquele dia.
A vida segue indiferente. Ninguém mais telefona para saber se você superou ou não. O tempo cura e também afasta. Nós estamos nos afastando, era isso que eu precisava dizer.
Hoje, diante de você, dos seus olhos turvos, faltou-me coragem. Como no dia em que você ficou no parapeito, olhando os carros lá embaixo e eu simplesmente duvidei. Da vida, do amor, da fé. Naquele dia você desceu, quieto e sério, numa performance esmagadora. Eu só consegui respirar porque os pulmões se negaram a parar. O susto-medo-horror está até hoje em mim.
Nunca mais fiquei vendo o tempo passar na sacada, somente hoje voltei para cá para rever o perigo enquanto a chuva lava o asfalto. O estranho é que eu percebia suas atitudes, mas achava que isso não queria dizer nada. Esquecia que cada sinal tem sua força específica. E eles se sucederam, cumprindo um destino.
Diante dos seus olhos que olham para lugar algum, minha coragem é vencida pela sensação de impotência. Tenho me perguntado: por que ou para que você retornaria? Vi uns rabiscos sem sentido aparente a seu lado, perto da lixeira. Reconheci algo em você que não sei bem definir. Eu gostaria de lhe falar de mim e do mundo. Para tentar fazer com que você me veja. E, talvez volte para casa.

Eu parei de chorar porque até isso cansa. Estou realmente exausta. Daí que vê-lo assim é como me calar também quando eu deveria gritar. Foi uma escolha sua. Ir se afastando, abrindo um caminho desconhecido para o qual só você tem acesso. Por que obrigá-lo a voltar? Ninguém compreende isso. Eu sim, talvez porque também nunca quis o que se chama mundo real, talvez por isso eu o compreenda. O seu silêncio é como uma marcação de teatro. A gente sabe a fala de cada um e também qual o passo seguinte. Aqui eu devo parar. Essa é a sua marca. O silêncio é agora a sua fala maior. De dentro de minha dor eu me calo para que você se fortaleça. E, se você realmente me olhar, talvez eu veja nos seus olhos e eles deixem de ser turvos para mim. E, quem sabe eu compreenda finalmente.

sábado, 27 de outubro de 2007

Sereia

Provar o sabor da isca

E sentir-se fisgada por inteiro

Deixar-se levar mar adentro

Com as ondas batendo na pele

Provar-se sereia capturada

E aceitar seu destino grego

Sem Olimpo mas com Ulisses

Sem olheiras nos olhos tristes

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

O nada

De nada ao nada topamos

Descemos ladeiras de pó

Vemos estilhaços no chão

O nada comanda o vazio

Dele nos fartamos em vida

Dele aprendemos o mote

Que tudo é disperso e ilhós

Com as linhas de costura

De nada ao nada topamos

E seguimos de algum modo

Tentando decifrar enigmas

Querendo entender o riscado

Quando somos tão pequenos

E vagos e vãos que nada na

Verdade importa mais que o

Próprio nada que nos cerca

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Ser poetisa

Ser humilde e sábia como Cora Coralina

ter todo o encanto de Florbela Espanca

saber do limiar como Ana Cristina Cesar
declamar a existência como Lya Luft e

saber de tantas outras poetisas a povoar

diletamente o meu pequeno universo de

cores, aromas, serenos da madrugada...

ser simples e generosa para poder lidar

com a palavra mais complexa e febril

dar-se conta de que o mundo é tão mas

tão áspero que sua superfície nos dói

ao mínimo toque descuidado e infantil

ser serena e breve como a andorinha

e plena águia quando a noite acontecer

saber das delícias e tormentos de ser

poetisa em tempo de megabytes, enfim

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Esperança nele

Esperança quando ele vem

através de uma palavra ou

um aceno perdido na rua

Esperança quando ele vem

de um modo luminoso mas

calmo e santo que dá tontura

Esperança quando ele vem

e o amor não se mede mais

em palavras ou despedidas

Só se ajeita na cama e dorme

Só se arruma perfumado e vai

Esperança quando ele bate

e a porta se abre de uma vez

E ele diz qualquer coisa que

até já esqueci porque o que

importa é que ele venha e volte.

domingo, 21 de outubro de 2007

Espera

Há momentos como esse

De pura introspecção sem

Nenhum arrebatamento só

Luz inflitrada na alma que

Se abstém de dilatar-se

Fica sozinhando coisas e

Absorta no corta pulsos

Não avista saídas plurais

Há momentos como esse

Em que o coração se turva

Como se água barrenta

Tomasse conta dos átrios.

Nenhuma alegria aparece

Aos olhos agora cansados

De tanto clamar e esperar

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Poetar

Poetar é tarefa que urge

Como o tempo a emergir

A cada momento secreto

Em que nos arriscamos

Poetar é entrega e dor

Também alegria e prazer

Na escolha da palavra

Mais exata, absoluta

Poetar é desenferrujar-se

Brincar com os períodos

Alicerçar rimas em vão

Caprichar nos antônimos

Poetar é sobretudo dar-se

Ao desconhecido um pouco

De nossa alma descalibrada

Tentando compensá-la assim

Poetar é investigar o vazio

Instigar o que reluz dentro

Como ouro fosse em nós a

Deslindar navios afogados

Poetar é entreter-se em ser

Por alguns versos a mais

Por alguns ritmos inefáveis

Por alguma voz do coração

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Amor de Outubro

Um leve afago, um vago aperto:

Onde andará meu amor de outubro?

Onde estará a fruta madura e

o repensar da inocência perdida?

Um leve afofo, um vasto caos

Depois de tudo ele some no cais

E, de longe, só vejo seu vulto fugaz

E, de longe, só entendo a despedida

como algo inconseqüente e cruel.

De dentro dos sonhos ele vem ainda

Depois de um leve afago, um véu

de laços indiscriminados nos atrai

e distrai do esquecimento fatal.

Um breve afago, um largo aperto:

Onde andará meu amor de outubro?

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Luz

Fartar-se de luz apenas

Ouvindo James Blunt:

“Dê-me razão mas

não me dê escolha”

Armar a escotilha

Saltar no mar gelado

Declamando Blake

Chorando Bergman

Fartar-se de luz apenas

Lendo Fitzgerald

Revendo Bertolucci

Amando pelo avesso

Revirar-se pela lua

Num movimento solo

Olhando a Terra como

Quem fosse astronauta

Fartar-se de luz apenas

Por ver o dia raiando ou

A noite chegando ao léu

Ao som de Bono Vox

domingo, 14 de outubro de 2007

Ver(-)te

Ver-te, verte mais

Quentura solar

Ver-te, verve assim

Tontura demais

Lúcido pânico

Armado e fugaz

Por ver-te depois

Sob a luz do luar

Erradio é o caminho

Ao ver-te tão só

É luz e espinho

Na cama que é dó

Ou qualquer outra nota

Que a mente criar

Ver-te é alegria

Em um dia sem par

sábado, 13 de outubro de 2007

James Blunt

And so I sent some men to fight,
And one came back at dead of night,
said: "Have you seen my enemy?"
said: "he looked just like me"
So I set out to cut myself
And here I go

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Uma mulher apenas

Se não houvesse o desejo a lhe perturbar a face
Se não houvesse a brusca dor do querer
O impossível, o irremediável, até o insuportável
Talvez assim pudesse respirar copiosamente
Como quem chora o amor perdido por um triz
Se não houvesse a loucura talvez pudesse ousar
Ser doida varrida, louca de pedra, enfim,
Mas a loucura ditava suas regras de insanidade
De um jeito que a sociedade aceitava
Ela não. Se não houvesse a conivência ela seria
Mais que uma mulher louca uma mulher apenas
Se não houvesse o baralho para se jogar
Se as cartas estivessem marcadas e tudo fosse
Insípido como sabão de glicerina, talvez...
Se não houvesse o “ele” ai sim, quem sabe

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Batom

Pintou a boca com vontade
Olhou-se no espelhinho
Retirou o excesso com o
Fabuloso lenço de papel

Queria que ele a visse
Corada e louca e linda
Com o batom vermelho
A enfeitiçar seu olhar

Pintou a boca como poeta
Que diz coisas lindas em
Plena luz dos luares e se
Despe em reticências...

Queria que ele a visse
Vermelha mancha rouca
Com o batom abrindo a boca
Para abocanhar o mundo

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Desejo

O desejo rasga a carne branca

Pele sem estragos apenas pintinhas

Dessas que as pessoas temem agora

Fora as “belezinhas” nenhuma cicatriz

Apenas pele desejando pele

Para se roçar nela e se perder dela

Para rebentar o coração em suas

Passadas largas e afogueantes

Para reter um pouco o sal do outro

Trocar elementares sons abençoados

Que o atrito das peles permite

Que o atrito das peles impele

O desejo rasga a carne pálida

Quase translúcida de tanto desejar

sábado, 6 de outubro de 2007

O que há agora é esse silêncio inquietante. Durmo mal. Os sonhos me carregam para onde não quero. Tudo fica oblíquo, transversal. Acho que os tique taques dos relógios nunca vão cessar depois daquela abertura de Gritos e Sussurros. Mas hoje, nem sei onde quero chegar, se vou para algum lugar ainda que dentro de mim mesma. Estou pálida e silente, de um cansaço que aqueles olhos furta-cor talvez entendessem se pudessem me ver agora. Orbito o silêncio. Nem os gatos se movem, obrando rimas com suas patas apeluciadas. Penso em Guimarães Rosa e no amor. Penso em aulas que se foram e alunos que me buscam ainda. Quero o colorido da vida, mas às vezes acho que sou daltônica. Não faz mal, tudo se ajeita. Hoje tive ganas de gritar.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Florbela Espanca - Anseios

Meu doido coração aonde vais,
No teu imenso anseio de liberdade?
Toma cautela com a realidade;
Meu pobre coração olha que cais!

Deixa-te estar quietinho! Não amais
A doce quietação da soledade?
Tuas lindas quirneras irreais,
Não valem o prazer duma saudade!

Tu chamas ao meu seio, negra prisão!
Ai, vê lá bem, ó doido coração,
Não te deslumbres o brilho do luar!...

Não 'stendas tuas asas para o longe..
Deixa-te estar quietinho, triste monge,
Na paz da tua cela, a soluçar...

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Vitor Ramil & Lenine

"Você pode ser rei no país do futebol
Pode ser viciado em bingo e nunca ver a luz do sol
Você pode ser o mago vender livros de montão
Você pode ser uma socialite enriquecer vendendo pão

Mas um dia você vai servir alguém
Seja ao diabo ou seja a Deus
Um dia você vai servir alguém

(...)

Você pode desejar a cura com Lacan
Você pode procurar os serviços de um Xamã
Você pode ser pregador e chutar os santos do altar
Você pode ter um bom discurso
Você pode nem saber falar

Mas um dia você vai servir alguém...

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Jayme Paviani

"Não é verdade que tudo passa,
tudo permanece de outro modo."