terça-feira, 31 de março de 2009

Escrevo escrevo escrevo tresloucadamente: artigos, poemas, ensaios, contos. O dia não tem mais horas para mim que me sinto sanguessugada pelo trabalho, absorvida pelo cotidiano, estremecida com deus. Será? Fico pedindo pedindo pedindo tresloucadamente: me dá paciência Senhor, me deixa um tempo para desejar, colher, amar. Tenho implicado com tantos horários restritos e salas fechadas, reuniões inacabáveis e tento sempre me apaziguar dizendo que já vai passar. Daí que tem um feriadão e vou para Santa Maria. Daí que tem Páscoa e vou tomar vinho e comer pão como sempre fiz a vida toda, desde criança, na Sexta-feira Santa. Se sou católica? Não. Não é isso. O ritual veio com minha avó e eu criei essa crença de que isso me faz bem nesse dia: tomar vinho e comer pão somente. Uma refeição sagrada. Por isso, não fico desesperada porque o dia tem poucas horas para mim que tenho tanto a oferecer a ele. Egoísta, o tempo segue os ponteiros do relógio enquanto vou abusando do que é possível, por exemplo, viver.

domingo, 29 de março de 2009

Para Caio F.


É uma possibilidade e, como todas, me faz ficar ausente de mim mesma. Um pouco solene, um pouco absorta demais. Me põe a dizer, ora, mas é só uma possibilidade, então... Então, coço a cabeça, mordo o lábio inferior, estalo os dedos. É que estou em aflição: a da espera. Vou entregar os originais amanhã para ele que pediu com tanto zelo. Vou espiar o dia e respirar fundo. Caio F. que me ajude, anjo onde estiver. Pois foi para você que fiz tudo: as leituras, a pesquisa, os estudos. Foram para você minhas olheiras e o choro por vezes incontido diante de suas palavras. Um tecido muito claro e translúcido envolveu o que eu tinha a dizer quando li semioticamente essas palavras. Delas retirei os inominados, os anjos da febre, a mão de Deus. Delas aprendi o gozo de uma frase afiada, limpa e cortante. Foi no jogo da ludicidade que tudo aconteceu. E você, Caio F. já não está mais aqui para saber do quanto essa escritora adoeceu por ti. Do quanto ela remexeu em lembranças e vagas ondas bramiram num concerto desatinado. Olha, Caio F., se este livro sair é porque você espiou por mim, como vou espiar o dia amanhã e dizer: é uma possibilidade sim, e elas tendem a acontecer quando as energias nos guiam mansamente.

sexta-feira, 27 de março de 2009

Fisgada

Poderia dizer-lhes que senti somente uma fisgada e não estaria mentindo. Mas teria que ser uma daquelas que deixa a gente a perigo, sem saída. Uma fisgada de dor? Uma fisgada de contentamento? Uma fisgada de coisa alguma, afinal? Basta! O que intento dizer-lhes hoje é tão vago como uma primeiridade, tão liberto de explicações quanto ela. Logo, parece-me que o que há para dizer está no plano da abstração. Abstraiam de mim o que sou. Façam com que eu apareça se pequena ou grande, mulher ou menina. Façam com que eu me perturbe só de lhes falar assim e fique corada e louca e nunca serena de mim mesma porque estou sempre buscando buscando buscando. Nunca razões, explicações, solidez. Mas sonhos, leveza, uma alegria qualquer. A fisgada da vida. Repuxando-me um pouco. Como a dizer: acorde! E, então, me encho de ternura e quero mais. Que a vida nunca pare em seu curso vertiginoso e que me acolha como a um recém-nascido, porque acho que é isso que sou hoje diante de vocês...

terça-feira, 24 de março de 2009

Guimarães Rosa


"É preciso sofrer depois de ter sofrido, e amar, e mais amar, depois de ter amado"

domingo, 22 de março de 2009

Colcha de retalhos


Atalhos. Retalhos. A vida é premente deles. Olhamos para os lados, quase nunca para cima e muito para baixo. Dos lados estão eles, os atalhos. Pode-se tomar a via expressa ou entrar em algum beco, ruela, sei lá. Mas o que acontece é que o imprevisto sempre nos avista e persegue. Nunca saberemos o certo, o amanhã, nem mesmo o agora. Viu? Já passou. Os retalhos ficam por conta de uma colcha que vamos tecendo vida afora, sem muito jeito ao costurar, sem encaixes perfeitos, sem respeitar a harmonia das cores. Mas a colcha é a vida que se forma a cada instante. Se pegamos atalhos ou não, pouco importa. A verdade é que estamos sempre alheios e entorpecidos por tanta informação que chega um momento que olhar para cima é fundamental. O movimento raro de erguer a cabeça e espiar o céu. De ver que há passaredo voando. Nuvens que se transformam (coelhos, centauros, deuses gregos, astronautas, dragões...). E tudo num piscar de olhos. Eu te vejo, procuro, revejo e já não está mais lá. Um retalho de sentimento. Um atalho no pensamento.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Você que está em mim

Você veio de um lugar desentendido. De um tempo assim, ao mesmo, iluminado e louco. Lembro dos nossos braços unidos, do teu cheiro e meu perfume. De um lugar às escondidas e que ao mesmo tempo era público de nossa inquietação. Fico me perguntando por que voltou? Porque assim sem nem ao menos me dar uma pista... ou eu a tive, outro dia, quando não estávamos a sós? Quando não era possível externar mais do que sorrisos? Quando o abraço era também público e por isso diluído de intenções mais vorazes? Por que tanto te bendigo se minha sorte não te traz a mim? Senão em sonhos que não posso explicar? Você veio desse lugar distante, borrado pelo tempo porque eu queria esquecer... Está bem, fingir que esqueceria. Como se possível fosse esconder-me de mim mesma. Você veio e sabe que estou falando de quentura e mãos que se procuram e peitos desnudados ou quase e tudo. Você veio e não posso negar que esse sentimento é mantra sobre nós acostumados a dizer coisas assim como: vamos indo, pois é, tudo bem, o que vocêestálendooquevocêestáassistindooquevocê... e tudo se turva nas idas e vindas do cotidiano. Você veio para sempre desse lugar desentendido. E, talvez, para sempre eu te procure mais ainda.

Adriana Calcanhoto


se você quer amar
não basta um só amor
não sei como explicar
um só sempre é demais
pra seres como nós
sujeitos a jogar
as fichas todas de uma vez
sem temer naufragar

quinta-feira, 19 de março de 2009

Com mais vagar


Com mais vagar, porque hoje tenho a tarde só para mim. Nela escrevo, leio, faço terapia, como torta de chocolate, caminho pelas ruas empoeiradas de sol. Hoje, resistindo às pressões, consigo respirar melhor. Consigo, talvez, espiar com mais clareza o dia. Tenho umas olheiras de quem pouco dormiu. Tenho uns cabelos meio desgrenhados. Tenho uma vontade enorme de abraçar vocês. Um a um para minha única alegria de sentir outros braços ao meu redor. No entorno as coisas parecem as mesmas e me pego voando rasteiro, levinho, sem culpa. Com o sorriso do gato de Alice.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Me perdoem a pressa...

correndo correndo feito aquele coelho da Alice feito o vento em velocidade máxima como o ônibus do filme como um pássaro que voa destemido e atravessa oceanos correndo sem tempo sem tempo aaaaaaaaiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii é uma busca desenfreada que cada momento parece um milésimo de segundo e pronto já foi já foi passou e fico... vaga demais obssessiva demais premente alerta cansada cheia de sonhos roubados como um beijo que não aconteceu como uma vida perdida um lapso uma inclinação para... ou qualquer coisa assim, como diria Caio F.

domingo, 15 de março de 2009



Não posso voltar atrás. O que não foi dito se perdeu. O que foi dito, não se sabe. A impermanência de tudo é muito chocante. E palavras, palavras desnudam o ar mas o que fica delas é aquela poeirinha frágil na contraluz. Já experimentou soprá-la suavemente? A sujeirinha gira em espirais e tudo é caos. Não posso voltar atrás e desfazer o desfeito. O que foi dito é apenas dissonância. Os ouvidos se retesam para as coisas mais ousadas. Alguns se ferem com isso. A ousadia, quero dizer. E fico aqui pensando nele que era para chegar agora que estou madura e me sinto liberta de mim mesma. No entanto, não posso voltar atrás e querê-lo para mim porque a natureza nos desviou assim, num revés. Eu que esperava pelo parto, as dores e o gozo da cria nascida, tenho que reivindicar nova chance. Não posso voltar atrás porque independe do meu corpo, agora inerte.

Selo


Recebi um selo da Glória do blog "Linhas ao Vento".
Ao receber o selo, citar 7 coisas que te fazem sorrir:

1) Chaplin
2) Monstros & Cia
3) Riso de criança
4) Amor correspondido
5) Os gatos
6) A vida
7) Textos bem escritos

Indicar 7 blogs que fazem você sorrir

1) Temporário-Permanente
2) Insufilme;
3) Linhas ao Vento
4) Afeto Literário
5) Juntar os Cacos
6) Cinema e Bobagens
7) Cor do Vento

Informar aos blogs indicados que eles receberam o selo

sexta-feira, 13 de março de 2009

Um anjo mostrou-me as horas de um relógio parado. E fez que sim com a cabeça para que eu compreendesse. Um anjo, puro enigma, roçou suas asas no meu rosto e me fez sorrir. Do relógio entendi o destino, por hora sem corda, estanque. Mas pode ser que tenha entendido errado. Sei que ele voou para longe, o anjo, e fiquei às escuras, pois tudo nele era luz do firmamento.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Lygia Fagundes Telles

(...) "Com a ponta da língua pude sentir a semente apontando sob a polpa. Varei-a. O sumo ácido inundou-me a boca. Cuspi a semente: assim queria escrever, indo ao âmago do âmago até atingir a semente resguardada lá no fundo como um feto".

quarta-feira, 11 de março de 2009

Abra-se a vida e voem as lagartas que ainda não se sabem borboletas.

terça-feira, 10 de março de 2009

Esse espaço aberto
como uma ferida
Esse vão no qual
me escoro
E corro e grito e fico
desarvorada na dor
no mistério da dor
na sua estética de Munch

domingo, 8 de março de 2009

Escrever


Escrever é viver o medo. É sair para espiar lá fora e voltar correndo porque pode haver algo de muito horrendo se escondendo nos corredores, frestas, jardins. Como escrever sem colocar toda a coragem na escrita? Como escrever sem suspeitar e suspeitando enfim dar-se por vencida retomando a palavra? Escrevo desde que comecei a ler e leio desde que comecei a escrever. Interligadas, essas ações fizeram com que eu desenvolvesse mais minhas sinapses, meus anseios, minhas pequenas verdades. Sou precavida quanto às verdades que nos impõem. Por isso, relativizo tudo. Busco a ambiguidade e o sabor novo das coisas mais antigas. Escrever é assim, um desencontrar-se que vem de dentro e me cega ás vezes, quando mais quero dizer o que já não consigo. Aprendi a amar a escrita, a letra, o som das palavras sendo ditos em voz alta. A leitura me conduziu a mundos inimagináveis e por eles trafego com avidez e loucura. Escrever tem sido uma lida daquelas que a gente quer terminar logo mas sempre falta alguma coisa para tirar do lugar e colocar em outro. Sempre falta um senão, um porque, uma vírgula. Escrever é mistério e desatino. Escrevo por sobrevivência. Por acreditar na palavra, por entender que assim se cria algo mais para além das folhas em branco. Essas, servem para se começar a rabiscar nelas o desejo da escrita. Comecei com máquina de escrever. Comecei a lápis e caderno infantis. Comecei quando dei por mim e nunca mais consegui parar.

sábado, 7 de março de 2009

Charles Baudelaire


Quem não souber povoar sua solidão, também não conseguirá isolar-se entre a gente.

sexta-feira, 6 de março de 2009

a janela


a cidade é sem fim qual a tua janela. olha através dela e vê. é o início e o fim de tudo. pela janela, os postigos abertos para que entrem. não seremos mais os mesmos, como não é o mesmo aquele rio. a janela se abre lentamente e então vemos a cidade amparada por seus prédios feitos de concreto. assim pensamos que tudo está pronto e acabado, fora alguma construção que se encaminha. mas o que a janela mostra é um interstício. sem fim. é preciso perder os pudores, delenlaçar-se da urbe para cair no abismal poço das aventuras. neste caso, saia pela porta e não perca a chave como um cronópio. saia pela porta da frente e caminhe e veja e recolha suas impressões sobre o lixo urbano. pense nas crianças rotas e alteradas não por uma bomba mas pela fome e miséria. elas fazem malabarismos no farol enquanto dentro dos carros as pessoas pensam nas contas a pagar. saindo pela porta o mundo torna-se real e duplamente fracassado. você não verá muita alegria, exceto aquela torpe dos adolescentes perdidos em suas roupas de griffe. você não sentirá paz, nem saberá das flores. os movimentos serão extraordinários e você ficará estupefato com o engarrafamento, as buzinas, os lobbies... eu prefiro a janela. através dela o mundo fica meio sem foco quando olhado de longe e não há interferências. somente o asfalto nunca livre e as pessoas corredeiras. fico com a janela não por querer não me arriscar, já que a janela também é um risco para os que sabem olhar através dela.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Não tem água no bebedouro. Ressinto-me de sua falta. Preciso umedecer meus lábios, sentir a água descendo pela garganta. O calor é intenso demais e não chove. O sol entra agora pelos vidros da janela que se abre para um telhado e uma árvore. Olho para fora com esperança não sei bem do que. Estou cansada, absurdamente. Posso ouvir os meus ossos gritando desse cansaço, músculos, nervos, até. Mas um copo com água já ia aliviar um pouco. Reorganizei meus horários para ter tempo para o blog, para visitas e posts. Hoje, pouco inspirada, especialmente sedenta, desejo a todos uma ótima quarta-feira.

terça-feira, 3 de março de 2009

Chico Buarque

A felicidade
Morava tão vizinha
Que, de tolo
Até pensei que fosse minha

domingo, 1 de março de 2009

Chanel Nº 5

Aposte que já é segunda e estou diante de você. Chanel nº 5. Presente seu. Aposte que li aquele bilhetinho dobrado em zilhões de vezes até quase não se conseguir mais fazer dobraduras. Aposte que voltei sorrindo e com um certo ar de felicidade que deixa alguns perplexos porque costumo estar geralmente quieta e triste. Aposte em mim, vai. Diga que sabe que eu tive aquele sonho em que me entregava sem inquietações. Aposte que o sonho pode se tornar real, se você ainda quiser. Eu nunca soube direito se você quer apesar de ainda lembrar de suas mãos tocando meu rosto com ternura. Seus lábios, eram como cinema mudo, mas eu conseguia entender. "Eu te quero por uma tarde que seja". Que rebuliço causou nas minhas fantasias! Parecia urgente o seu pedido, porém dei por mim desviando dos seus braços para seguir meu caminho, segurando o pequeno frasco nas mãos. "O perfume da Marylin, o cheiro dela". E isso lá devia ser uma onda sua de querer na cama uma mulher cheirando a MM. Contudo fiquei impressionada e até hoje uso o perfume. Você o sente quando me beija suavemente no rosto para que ninguém saiba o que se passa entre nós. E eu apenas compactuo dos seus desejos sem a entrega, sem a emoção da espera, sem a ludicidade do amor-agora. Aposte. Eu vi o filme sim, mas não rasguei o bilhete.

Cecília Meireles

Aprendi com as primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre inteira.