sexta-feira, 6 de março de 2009

a janela


a cidade é sem fim qual a tua janela. olha através dela e vê. é o início e o fim de tudo. pela janela, os postigos abertos para que entrem. não seremos mais os mesmos, como não é o mesmo aquele rio. a janela se abre lentamente e então vemos a cidade amparada por seus prédios feitos de concreto. assim pensamos que tudo está pronto e acabado, fora alguma construção que se encaminha. mas o que a janela mostra é um interstício. sem fim. é preciso perder os pudores, delenlaçar-se da urbe para cair no abismal poço das aventuras. neste caso, saia pela porta e não perca a chave como um cronópio. saia pela porta da frente e caminhe e veja e recolha suas impressões sobre o lixo urbano. pense nas crianças rotas e alteradas não por uma bomba mas pela fome e miséria. elas fazem malabarismos no farol enquanto dentro dos carros as pessoas pensam nas contas a pagar. saindo pela porta o mundo torna-se real e duplamente fracassado. você não verá muita alegria, exceto aquela torpe dos adolescentes perdidos em suas roupas de griffe. você não sentirá paz, nem saberá das flores. os movimentos serão extraordinários e você ficará estupefato com o engarrafamento, as buzinas, os lobbies... eu prefiro a janela. através dela o mundo fica meio sem foco quando olhado de longe e não há interferências. somente o asfalto nunca livre e as pessoas corredeiras. fico com a janela não por querer não me arriscar, já que a janela também é um risco para os que sabem olhar através dela.

14 comentários:

adri antunes disse...

tb adoro Caio Fernando Abreu e quando falo o nome dele assim, completo, me enche a boca numa sensação estranha de quem já pode voar. ehe
como foi a primeira semana?
um bjuuu enorme!
saudades do seu abraço macio e afetuoso!
boa sexta!!!

Biba disse...

The begginer is always dificult, diz um personagem de Caio em O Ovo Apunhalado. Essa frase ficou sempre na minha cabeça e o que posso te dizer é isso, o começo foi difícil. Uma primeira semana cheia de percalços por conta de questões técnicas de equipamentos e eu cheia de uma espécie de loucura premente. Quis um tanto de paz que não foi possível diante da correria toda. Hoje paro um pouco e isso me reanima.
Saudades também do teu abraço minha pequena, saudade dos teus olhos sempre tão vívidos.
Beijo
Carpe Diem!!!

Eduardo Matzembacher Frizzo disse...

O risco das janelas, ao menos no farol que trago nos dois sentidos do termo, é o risco dos paradigmas. Cada janela é uma lente assim como cada paradigma é uma janela, o que lá atrás já nos disse Popper. Se nos estancamos em uma caixa de hermetismo, entretanto, tudo se torna tão vago quanto a sofreguidão quase-cega dos míopes, aqueles que só conseguem enxergar por conta do grau dos óculos - outra janela, mas com pudores bem menores ao ponto de reduzir o mundo àquilo que quer do mundo (vide o eterno binômio nunca vencido subjetivismo/objetivismo). Se a realidade desenlaça o olhar, não é porque existem malabaristas pela rua ou pessoas suando as contas atrasadas no ar dos carros que nada condiciona, mas sim porque o mundo, perspectivo assim como um paradigma ou uma janela, pode se dar aos ares que bem entendermos, desde que partamos, por óbvio, da caixinha na qual nos encontramos: lago de palavras que, talvez por torrente, talvez por Heráclito, vez em quando se faz dis-curso em função da comunicação com outros lagos que nos rodeiam mas sequer vemos. O problema das janelas, por outro lado, está justamente no foco do meu farol: posso dar valia inexistente àquilo que vejo e (só)negar ao descompasso cardiopático aquilo que simplesmente não entendo. Para estes não entenderes, talvez persista a arte e a nossa insistência em tudo nomear, ainda que a linguagem não seja uma terceira coisa que se coloca entre nós e o mundo, mas sim a nossa própria condição de possibilidade histórica no mundo, como bem acentuaram Heideger e Gadamer na viravolta filosófica do meio do século XX. Além disso, outro problema surge: como suportar esse Outro que tanto nos sussurra e ainda assim ter um fôlego luso para nos lançar no mar do desconhecido se o desconhecido nos espia da escuridão? É preciso coragem de Pessoa e Cabral com quê de astronauta do Kubrick, desde que não nos façamos, assim de cara, um HAL-9000 da vida. Fica, portanto, apenas essa minha observação, foco de um farol que não se espera só na rede de tantas palavras que pela virtualidade destes meios repousam. Por tudo isso, suas palavras são essa angústia pelo desconhecido do além - ainda que muitas vezes ele esteja aquém, preso não nas viravoltas filosóficas, mas nas viravoltas das nossas entranhas. E creio que daí provém sua voz de poeta-cinema (termo que acabo de criar e parece meio chulo, mas que, em todo caso, persistente quanto uma instalação de qualquer bienal, tentará se fazer entender). A sua lente é essa, Biba, ainda que a edição final possa fazer com que o filme tenha um final completamente diverso. Dependerá, creio, de quem fará os cortes. Aí já entra em cena tudo aquilo que você é - mas principalmente aquilo que você não é e que faz com que você seja (ou melhor: o Outro e o Silêncio). E um pedido: quero ler sua dissertação de mestrado. Um beijo e tudo de ótimo nesse início de final de semana com gosto de chá verde com mate.

Letícia disse...

Eu sou amante das janelas - até essas que mal se abrem. Gosto da liberdade de ficar só e observar. Li seu texto e pensei no concreto dos prédios que é a ilusão de que já fizemos tudo. Você colocou isso no texto. E de forma perfeita. E o poema nuclear mudou a voz porque as crianças morrem de outro mal. Muito bom, Biba. Humano e real.

E vc conheceu o Caio. Conheço a sensação. Eu "conheci" ou vi o Renato Russo num hotel aqui de minha cidade. Ele era real. Cigarro e contreau e falava alto pra caramba.

Beijos, Biba.

Anônimo disse...

amei de coração o texto. é maravilhoso, instigante... bjim!

Biba disse...

Du, caramba, eu fico tonta de tantas coisas que você me diz com extrema delicadeza e ao mesmo tempo forte emoção crítica. Isso existe, sabia? Então, a janela é para que entrem, eu digo, e ao mesmo tempo me posiciono como quem apenas olha, mas vê além do que é mostrado. Sair pela porta é outra história.
Quer mesmo ler minha dissertação? É longa! Sobre o Terror e o Duplo em Um Corpo que Cai, de Alfred Hitchcock. (Tirei 10!! e a Lúcia Santaella estava na banca. Minha orientadora foi a Lúcia Nagib, pós-doutora em Cinema).
Beijos
Carpe Diem!!

Biba disse...

Letícia conheci o Caio e fiquei doente de tanto amá-lo, fiquei de cama dois dias, com febre que gerou um conto. Ele era lindo e puro, de uma pureza que as pessoas não tem mais. Ao mesmo tempo, seus gestos lentos (é do que me lembro mais)e o cigarro, uma fala mansa e sincera que nunca mais esqueci. Não tive a coragem de falar com ele, mas eu estava ali, ouvindo tudo, sentada no chão porque não havia mais lugar. No chão e perto dele. Inesquecível. Tenho dois livros autografados por ele que desenhou um pequeno sol em cada uma das dedicatórias.
Letícia, você me compreende muito, sabia?
beijo grande
carpe diem!!!

Biba disse...

Oi ira, que bom que gostou, eu também estive te visitando hoje.
Bjim e paz
Carpe Diem!!!

Anônimo disse...

Biba,
quantos olhares podemos lançar através de janelas e cada vez que isso acontece, temos sempre uma nova visão! Essa perfeita sensibilidade pertence àqueles que sabem trabalhar com as metáforas. E você é assim!
Um abraço!

Cheguei até aqui através do blog da Letícia. Valeu!

Biba disse...

Liene, volte sempre. Gostei do seu comentário. Vou visitar o seu blog.
Bju
Carpe Diem!!!

Eduardo Matzembacher Frizzo disse...

Com certeza que quero ler sua dissertação, minha amiga Biba. Nunca me importei com a longitude e muito menos com a latitude dos textos. E se meu humilde comentário tonta deixa você, é porque algo de bom nele há. Estou cansado e perdão pelas palavras sem complexidade. Hora que puderes me mandar sua dissertação, ainda que em PDF via e-mail, imprimo por aqui e leio com o maior prazer, ainda mais cinéfilo do jeito que sou e interessado por tudo e mais ou pouco, o que de vez em quando me faz ter medo de chegar até a loucura. Mas acho também que não é pra tanto. Aguardo sua resposta. Um beijo e bom início de fim de semana, querida.

Biba disse...

Du, querido, enviarei a você a minha dissertação já que a quer. Eu sou suspeita para dizer qualquer coisa, mas meu terapeuta leu e gostou muito. Perguntou se eu precisava me aprofundar tanto assim no duplo. E eu expliquei que sim, porque ele sempre esteve me atormentando, de algum modo. Sempre me senti duas (ou mais), o que me fez refletir sobre o tema. Além disso tem a questão do objeto sublime que também sempre me encantou. Acho que você vai gostar. Se não, exponha seus motivos como sempre tem feito porque eu gosto mesmo é de sinceridade.
beijo grande grande
Carpe Diem!!

gloria disse...

Biba, eu sempre temi os desatinos das ruas. talvez, por temer tanto, passei quatro anos mergulhada nas tramas da violência de gangues e galeras de rua, me embrenhei nos bailes funk e li o desalento de corpos em ritmos frenéticos e, ultimamente escrevi sobre meninas e meninas vítimas de abuso sexual e exploraçào. Imagina, para alguém cujo sangue fervilha sentimentos, para alguém que pensa e sonha com o tom confortante das janelas, para alguém que tem tanto medo quanto os que escuta e se dissolveram no oceano de olhares indiferentes, eu entendo sei da força dos teus escritos; trilhar tudo isso... é preciso ter estômago no coraçào. e você é de uma sensibilidade cravada de vida crua, de lucidez. Te ler é transitar. bjs

Biba disse...

Glorinha, agradeço pela lindas palavras sobre meu texto. Não consigo imaginá-la transitando por esse universo do qual falou. Deve ter sido muito doído. para mim seria demais. Estou num projeto de pesquisa sobre mídia e violência por força das circunstâncias acadêmicas. Não queria trabalhar com isso e sim com cinema, literatura. Agora foi criada uma nova linha de pesquisa que contempla os meus sonhos e devaneios. Preciso de ludicidade junto à lucidez senão viro uva passa.
Beijo grande grande,
Carpe Diem!!!