domingo, 30 de setembro de 2007

Anjo Guardião

Vi meu anjo guardião
Ele estava espiando
atrás da porta entreaberta
Vi que é alto e belo
mas calado e firme
Vi meu anjo guardião
e quis pedir-lhe colo,
luz, entendimento
Mas calado e firme
ele apenas espiou-me
parecendo cuidar de mim
Assim acreditei para
não chorar de tristeza
no meio da noite gelada

sábado, 29 de setembro de 2007

Fernando Pessoa

Há doenças piores que as doenças,
Há dores que não doem, nem na alma
Mas que são dolorosas mais que as outras.
Há angústias sonhadas mais reais
Que as que a vida nos traz, há sensações
Sentidas só com imaginá-las
Que são mais nossas do que a própria vida.
Há tanta cousa que, sem existir,
Existe, existe demoradamente,
E demoradamente é nossa e nós...
Por sobre o verde turvo do amplo rio
Os circunflexos brancos das gaivotas...
Por sobre a alma o adejar inútil
Do que não foi, nem pôde ser, e é tudo.

Dá-me mais vinho, porque a vida é nada.

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Umberto Eco

"O autor deveria morrer depois de escrever. Para não perturbar o caminho do texto."
( in Pós-Escrito a O Nome da Rosa)

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Como se uma rosa se abrisse

O dia cinza me disse amém.
Corri ao telefone, houve luz.
Houve aquela alegria
do inesperado mas sempre desejado.
O dia ganhou cor, então.
Como se uma rosa se abrisse
no jardim que não tenho
mas que vive na minha imaginação.
Que é o melhor de tudo, a imaginação.
Meu dia, de repente, se tornou
um dia especial ainda que chova e faça frio.
Graças a sua voz na manhã tardia.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

August Strindberg

"Tudo pode acontecer, tudo é possível e provável. O tempo e o espaço não existem. Sobre um ligeiro fundo de realidade, a imaginação tece sua teia e cria novos desenhos... novos destinos".

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Borges - Posse do Passado

"Só o que morreu é nosso, só é nosso o que perdemos.(...) Não há outros paraísos a não ser os paraísos perdidos."

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

É muito estranho estar sem o Hall. Hall é o meu PC. Escrevo em computador alheio e parece que estou sendo invasiva. Vamos lá, a verdade é que a gente se apega ao que é nosso de um modo! Eu queria o Hall!! Lá tenho tudo de que preciso. É como se ele fosse minha extensão, à la McLuhan mesmo. Então, este post é para dizer quê.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Italo Calvino

"Li num livro que a objetividade do pensamento pode ser expressa usando-se o verbo "pensar" na terceira pesssoa impessoal: em vez de dizer "eu penso", diz-se "pensa" como se diz "chove". Existe pensamento no universo, e é dessa constatação que sempre devemos partir.
Poderei algum dia dizer "hoje escreve" assim como se diz "hoje chove", "hoje venta"? Apenas quando me for natural utilizar o verbo "escrever" no impessoal poderei esperar que através de mim se exprima algo menos limitado que a individualidade de uma única pessoa".
Veja, o filete de sangue secou. Daí me ocorreu que estou cicatrizando. É dentro. Faça um esforço para ver. A dor parece que está se desagudizando. Eu ontem ouvi Good By My Lover e consegui não chorar. Até fiquei pensando na dor do James Blunt e não na minha, o que foi tremendamente comovente. O filete de sangue vai ficar guardado, eu sei. Como um prova do crime. Mas não houve um realmente. Houve aquela bobagem toda de entrega e tudo o mais que depois resulta nisso, uma ranhura e um corte profundo. A gente se apega aos discursos do coração e esquece que é preciso coragem triplicada para colocá-los em prática. O amor é isso diria Drummond (sempre tão lembrado por aqui) "hoje beija, amanhã não beija/Depois de amanhã é segunda-feira e ninguém sabe"...

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Carlos Drummond de Andrade

"Amar o perdido
deixa confundido
este coração."

domingo, 16 de setembro de 2007

Chico Buarque - Pedaço de Mim

Oh, pedaço de mim
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento
É pior do que se entrevar

Oh, pedaço de mim
Oh, metade exilada de mim
Leva os teus sinais
Que a saudade dói como um barco
Que aos poucos descreve um arco
E evita atracar no cais

Oh, pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu

Oh, pedaço de mim
Oh, metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi

Oh, pedaço de mim
Oh, metade adorada de mim
Leva os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor
Adeus

"Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro..."

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Mario Quintana

"Eu venho sempre à tona de todos os naufrágios"

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Caio Fernando Abreu

"Não compreendo como querer o outro possa tornar-se mais forte do que querer a si próprio. Não compreendo como querer o outro possa pintar como saída da nossa solidão fatal. Mentira: compreendo, sim. Mesmo consciente de que nasci sozinho do útero de minha mãe, berrando de pavor para o mundo insano, e que embarcarei sozinho num caixão rumo a sei lá o que, além do pó. O que ou quem cruzo entre esses dois portos gelados da solidão é mera viagem: véu de maya, ilusão, passatempo. E exigimos o eterno do perecível, loucos."

terça-feira, 11 de setembro de 2007

O céu que não protege

Misterioso céu que não protege
de azul desfeito em plumas
nuvens de aluguel que logo passam
e silentes buscam aconchego

Prego o olhar na tua pupila
Preciso da dor para saber amar?
Te vejo enredado em dúvidas
a buscar um céu que te proteja

Saiu agora o veredito: mulher apaixonada
Saíram folhas, galhos, até a raiz
tudo se desprendeu neste dia tonto
Feito da tua ausência, sem teu calor

Misterioso céu que não protege
enche de algodão meu pobre peito
com tuas soltas nuvens de aluguel
que eu, silente, quero o aconchego

Um Corpo que Cai

Hoje é dia de Um Corpo que Cai (Vertigo) na Semana Temática Alfred Hitchcock, na Sala de Cinema Ulisses Geremia, no Ordovás. Madeleine Ester (Kim Novak) é o objeto de desejo de Scottie (James Stewart) em uma trama cheia de mistérios e fantasmagorias. Ontem, a abertura com Janela Indiscreta lotou o cinema! Prova de que o mestre Hitch continua em plena forma artística.
As sessões são comentadas e iniciam às 19h30.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Ana Cristina Cesar

Flores Do Mais

Devagar escreva
uma primeira letra
escreva
nas imediações construídas
pelos furacões;
devagar meça
a primeira pássara
bisonha que
riscar
o pano de boca
aberto
sobre os vendavais;
devagar imponha
o pulso
que melhor
souber sangrar
sobre a faca
das marés;
devagar imprima
o primeiro olhar
sobre o galope molhado
dos animais; devagar
peça mais
e mais e
mais

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Clarice Lispector

"Nós agentes disfarçados e distribuídos pelas funções menos reveladoras, nós às vezes nos reconhecemos. A um certo modo de olhar, a um jeito de dar a mão, nós nos reconhecemos e a isto chamamos amor. E então é necessário o disfarce: embora não se fale, também não se mente, embora não se diga a verdade, também não é mais necessário dissimular. Amor é quando é concedido participar um pouco mais. Poucos querem o amor, porque amor é a grande desilusão de tudo o mais. E poucos suportam perder todas as outras ilusões."

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

La cogida y la muerte, de García Lorca

Às cinco da tarde
Eram cinco em todos os relógios
Eram cinco nas sombras do entardecer
E o touro com seu coração alto
Às cinco da tarde
Quando o suor de neve foi chegando
Às cinco da tarde
Quando a praça se cobriu de lodo
Às cinco da tarde
A morte pôs ovos na ferida
Às cinco da tarde
Às cinco em ponto
Um féretro com rodas é sua cama
Às cinco da tarde
Ossos e flautas ressoam em seu ouvido
Às cinco da tarde
O touro já bufava em sua frente
Às cinco da tarde
O quarto se crispava de agonia
Às cinco da tarde
De longe vinha a gangrena
Às cinco da tarde
As feridas queimavam como sóis
Às cinco da tarde
As pessoas rompiam as janelas
Às cinco da tarde

Ah, que terríveis cinco da tarde!
Eram cinco em todos os relógios
Eram cinco nas sombras da tarde!

Todo o resto era morte e só morte.

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Carlos Drummond de Andrade

(...) vejo corpos, vejo almas
vejo beijos que se beijam
ouço mãos que se conversam
e que viajam sem mapa.
Vejo muitas outras coisas
que não ouso compreender....

sábado, 1 de setembro de 2007

Felicidade clandestina

O dia hoje foi um dia de se morrer nele, bem devagarinho, como quem adormece. Nada aconteceu neste dia. Mas o de ontem... o dia , quero dizer, foi de se rolar nele de felicidade. A felicidade clandestina de Clarice. Ontem foi dia de revelações. O que era incontido, afinal veio à luz. Certas coisas não têm jeito de a gente impedir, elas entram no nosso caminho e nos concedem uma certa alegria, um certo desvario que se opõe àquela quarta-feira sépia de que falei outro dia. É o contrário dela. É construção sendo erguida e nem o pó do cimento incomoda agora.