Os vidros sujos, por onde escorrera a chuva, deformavam a paisagem. Havia pessegueiros floridos tremendo ao vento e um abacateiro quase vergando sob seu próprio peso. O passado estampava-se naquele quintal. “As coisas antigas ganham uma imponência que se assemelha a do homem velho. Há nele sabedoria e desilusão, uma fortaleza que o tempo corrói impiedoso”, escrevera Leon. No quintal, latas e tonéis se amontoavam e todo tipo de velharia carcomia-se ao ar livre. Algumas lesmas arrastavam-se por cima das pedras.
Não estava lá, o gato lambendo as patas depois de caçar um beija-flor sob os protestos de um menino ingênuo. Nem havia o som da flauta doce insistindo nas tardes outonais. Tampouco eles estavam lá, sentados à sombra das árvores, tomando chimarrão e contando histórias impressionantes. Para além dos vidros sujos existia o passado que não era aquilo que se via agora. Mas estava lá, estagnado. Lebasi sentia o cheiro de terra molhada que era também um vestígio desse ontem remoto.
As mãos dentro dos bolsos apertavam-se. As lembranças iniciavam um vôo cego. “As estrelas estão caindo, olha! Meu Deus isso é lindo demais!”, a voz entrecortara-se de emoção.
Nesta mesma janela, em uma noite de inverno, eles olhavam o céu estrelado depois de um ritual perigoso. Na panela, o vinho fumegava e os pedaços de cogumelo pulavam como se estivessem vivos. Serviram-se. Conchas de sopa, canecas de louça, mais de uma vez. Beberam ainda quentes, e comeram os pedaços que boiavam na superfície. (Trecho do conto Lume, de O Imprevisto)
16 comentários:
que descriçào densa de um cenário marcado por chuva, pela noite, estrelas cadentes e pequenos gestos que marcam o precioso ato dos encontros, retornei de uma longa viagem,muito rico! bjs
Biba,
E você escreve bem por demais da conta. Não estou querendo agradar. Poderia sair calada e coisa e tal. Mas é assim. Eu não sou literata a ponto de dizer que este é bom e aquele é ruim. Mas eu leio. E ler me coloca no papel de alguém que persegue as palavras e conhece uma boa e talentosa arrumação. Eu penso nas palavras como os móveis de uma casa. É preciso ter talento e sensibilidade para encontrar o lugar onde cada peça ficará. E você tem isso. E, não sei qual o motivo de postar só um trecho, mas se quiser postar o conto inteiro, eu leio. Seria muito bom ler o conto todo. Um prazer.
Beijos.
Não faz muito tempo visitei a escola onde estudei da primeira a quarta série. Era domingo pela manhã, o zelador viu o movimento lá fora e veio até o portão. Disse-lhe que havia estudado ali, há quase 20 anos atrás. Ele abriu o portão e me deixou entrar. Minha sobrinha de três anos estava comigo e a levei para conhecer o que tinha sido minha escola mais importante. Algumas coisas não haviam mudado em nada, como o cheiro do campinho de futebol ou a cor do piso do pátio onde a gente brincava de escorregar.
Esse trecho do seu conto me fez lembrar dos clarões no céu daquela manhã de domingo.
Que sensação boa. Obrigado!
Um Abraço.
Glorinha, esse é o trecho de abertura do conto, tenho um amigo que gosta muito desse conto. Postei pensando nele. Não é a parte que eu sei que ele adora, mas foi só pra lembrar.
Beijo,
Carpe Diem!!!
Letícia,
chorei um tantão só por causa das suas lindas palavras. Ando sempre à flor da pele e, quando estou excessivamente ocupada, como tem sido ultimamente, o choro vem com frequencia.
Fiz uma surpresa pra você!
Beijo enorme,
Carpe Diem!!
Jânio, que beleza o que você viveu nesse dia, sentir o cheiro da grama novamente, como no passado... Eu é que agradeço por me contar sua história.
Beijo grande
Carpe Diem!!!
Olá Biba. Realmente andei meio sumido. Ou melhor: ando meio sumido. Tirando alguns problemas de saúde pelos quais andei passando, tenho trabalhado feito doido desde o início do mês, somando-se isso ao fato de andar meio seco na questão "escritura poética". Os ponteiros do relógio têm me atropelado. Mas pretendo voltar a frequentar mais seu espaço, o qual, como de praxe, tem um texto carregado de poesia conscientizada ao ponto de se tornar prosa. E uma prosa caseira com gosto de macarrão e vinho da serra. Foi isso, chulo assim, que senti ao ler seu texto: conforto. Mas aparecerei mais por cá. Um beijo e bela semana pra ti.
Biba,
As lembranças, com suas pinceladas de detalhes, compõem uma obra de arte irreproduzível: a história de vida de uma pessoa. Belo texto!
Um abraço carinhoso
muito bom
Edu, obrigada por aparecer por aqui.Fiquei feliz que gostou do trecho. Uma bela semana pra você também.
Beijos,
Carpe Diem
PS: espero que esteja tudo bem com sua saúde agora
Liene, abraço carinhosos a voc~e também!!
Beijos e Carpe Diem!!
Beto, que bom que gostou do trechinho
Beijos,
Carpe Diem!!
aiii que saudades de te visitar mais, mas ando tão corrennnddoo! quando dá, apareço!
sempre lindo por aqui!
bjusss
Bjuss, Adri, sempre fico feliz quando você aparece por aqui!
Carpe Diem!!
Eita menina, mas tu gosta mesmo de aprontar comigo, como pode?
Fico sem internet por uns dias ai quando volto a você me surpreendo com duas coisas que tenho admirado muito desde que conheci: Kurt e o Lume, este último principalmente, deve saber o quanto representa pra mim. Aí me diz, como não me escorrer pra dentro de mim com uma coisa dessas? Quando li seu livro pela primeira vez tive uma dificuldade enorme de inventar os personagens, pois todos eram você, na minha mente, você estava estava em cada história, em cada lágrima, em cada partida, em cada dor. E com o Lume nunca foi diferente. No começo tive inveja, pensei que você havia conheciso realmente Lila, Lebasi e Leon, então a inveja acabou, pois conheci todos eles naquela tarde de domingo, tomando aquele chá, falando de coisas. Tomei um chá magnífico na casa de Lila, Léon e Lebasi.
Beijos e girassóis
Qualquer dia desses tomo aquele chá de cogumelos.
Danúbio, querido, beijo e girassóis pra você que nunca me esquece dentre meus personagens. Não tome chá de cogumelo, menino, precisa de assistência de alguém experiente pra esse tipo de coisa, é muito perigoso!
Beijo grande,
Carpe Diem!!
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