quinta-feira, 30 de julho de 2009

Etérea

Que ouvisse mal ou talvez francamente não lhe desse a menor importância. Foi assim que ela descobriu que ele não a escutava dócil e solidário como ela imaginava. Um dia viu que ele estava com os fones de ouvido, olhos fechados, semblante descontraído. Teve uma dúvida irrefreável. Vontade de arrancar-lhe os fones e dizer tudo o que pensava dele. Porque, meu Deus, ela pensava coisas inenarráveis. Sentia-se no cabresto. Vontades inchadas sem vazão. Pura dor de solitude amarrada aos pés pequenos. Vivia no balanço de um barco e lembrou do conto que falava sobre âncoras nas paredes. Se estavam ali, não as via, mas era como se estivessem. Assim, recolhidas. E ela, tolhida, apegava-se às migalhas que ele ofertava quando na cama fazia dela uma mulher mais sólida. Menos etérea, ia ao banheiro olhar-se no espelho para ver se as vontades ainda estavam ali. Estavam. Mesmo com ele sendo bom no que fazia. Mesmo sucumbindo ao seu deleite. As vontades nunca a abandonavam, inchadas, sem vazão. Foi então que pensou que talvez fossem outros os desejos que não os da carne. Talvez isso de ela ser um tanto etérea como disse uma amiga, fosse o que ela realmente era. Naquele momento, vendo o quanto ele se deliciava em sua solidão sonora, ela resolveu que sim. Podia flutuar se quisesse. E, foi o que fez, muito delicadamente, sem que ele percebesse nada. Seus pequenos pés arredaram-se do assoalho desamarrados da dor e ela ficou assim, por alguns instantes. Disso, ele nunca soube.

2 comentários:

Beto Canales disse...

muito legal!

Biba disse...

Ei Beto, tá muito frio aqui em Caxias do Sul!!

Beijo,
Carpe Diem!