Um dente doía devagar. Na rua, a sensação se repetindo, o abandono crescia dentro, não sabia bem onde. As esquinas davam voltas enormes, parecia não haver como se afastar. Andava e o lugar não se modificava, como se caminhasse dentro de um círculo. Tonteava pelas ruas. Na boca, um gosto de chimarrão. Tentava não pensar, porque pensar era o que mais doía depois do dente.
As mãos agitavam-se nos bolsos fundos das calças. Ardia em uma febre insólita. Ao lembrar seu olho vazando o dele, sua boca tentando segurá-lo com palavras e uma língua úmida, escorregadia, era quando a dor se confundia com a necessidade de esquecer e, se fosse possível, varar o mundo de vez, estraçalhar-se contra ele, pegando-o desprevenido. Quase rastejava. Seu desejo era a possessão da vida.
Não, Telma nunca coube no mundo, ele sempre foi pequeno demais para ela, enlouquecida no amor e no ódio. Parou no meio-fio da calçada, olhou para os lados. O corpo dormente esperava alguma palmadinha que o revitalizasse. A febre sabia bem vinda de onde.
- Olhava para mim, me conduzia pelas entranhas do mundo.
A rua sucumbia a uma pequena avenida desfolhada. Não havia para onde ir, porque ou para quem. Soube disso assim, como quem descobre uma coisa qualquer, sem querer, sem entender direito. Nada ninguém lugar nenhum. O dente insistia. A pele suava, um abismo dentro do que fora perfurado. Chorava e não sabia, pois os olhos continuavam enxutos.
Queria odiar. Pensava na broca, no dentista, na possível anestesia. Telma odiava porque amava com brusquidão e desequilíbrio, com um certo estrabismo de gostar. Amava errado já que sentia certo e não o escondia. Nada ninguém lugar nenhum. O carro conseguiu travar a tempo. Por quê? Teria sido mais fácil, o asfalto lavado em sangue novo, quente. Vinte anos, repetia-se.
- Agora vou porrar em cima, vou me revirar, me contorcer, exacerbar esse ódio pela humanidade inteira.
Vontade de vomitar. Veio aquela fraqueza, a náusea. Os olhos embaçados e, lá no fundo, a febre. Maldita febre.
Telma chorava e já o sabia. O queixo trêmulo. Telma sentiu frio, medo, raiva, nojo. Havia percorrido quilômetros e quilômetros de ruas e de si mesma. Ignorava, no entanto, que apenas começava. - Estou morrendo, pensou quase desfalecida. Um poste de iluminação pública ofereceu-se a sustê-la. Suava. Telma suava muito na hora do nascimento, que é a hora em que tudo é escuro e frio, como no parto pela mãe.
- Puta que me pari, não quero ver ninguém quando avançar para o irremediável. Quero apenas o tremor que se segue ao sacrifício e à dor.
Telma delirava. Estava quase fora do que não concebia, quase pronta para acontecer. A cabeça de fora. Faltava pouco. Vinho branco e Vivaldi no coração atrofiado do mundo, desejava. Telma levou a primeira surpresa ao encontrar o cordão já cortado e sangrando. Esgueirou-se, tímida. O dente esqueceu de doer, o nervo se aquietava. Ela vomitou um pouco o seu próprio líquido amniótico. - Telma, disse baixinho - Telma, você nasceu.
Telma nascida vergava no poste, a tarde tentou balançá-la, serena.
As mãos agitavam-se nos bolsos fundos das calças. Ardia em uma febre insólita. Ao lembrar seu olho vazando o dele, sua boca tentando segurá-lo com palavras e uma língua úmida, escorregadia, era quando a dor se confundia com a necessidade de esquecer e, se fosse possível, varar o mundo de vez, estraçalhar-se contra ele, pegando-o desprevenido. Quase rastejava. Seu desejo era a possessão da vida.
Não, Telma nunca coube no mundo, ele sempre foi pequeno demais para ela, enlouquecida no amor e no ódio. Parou no meio-fio da calçada, olhou para os lados. O corpo dormente esperava alguma palmadinha que o revitalizasse. A febre sabia bem vinda de onde.
- Olhava para mim, me conduzia pelas entranhas do mundo.
A rua sucumbia a uma pequena avenida desfolhada. Não havia para onde ir, porque ou para quem. Soube disso assim, como quem descobre uma coisa qualquer, sem querer, sem entender direito. Nada ninguém lugar nenhum. O dente insistia. A pele suava, um abismo dentro do que fora perfurado. Chorava e não sabia, pois os olhos continuavam enxutos.
Queria odiar. Pensava na broca, no dentista, na possível anestesia. Telma odiava porque amava com brusquidão e desequilíbrio, com um certo estrabismo de gostar. Amava errado já que sentia certo e não o escondia. Nada ninguém lugar nenhum. O carro conseguiu travar a tempo. Por quê? Teria sido mais fácil, o asfalto lavado em sangue novo, quente. Vinte anos, repetia-se.
- Agora vou porrar em cima, vou me revirar, me contorcer, exacerbar esse ódio pela humanidade inteira.
Vontade de vomitar. Veio aquela fraqueza, a náusea. Os olhos embaçados e, lá no fundo, a febre. Maldita febre.
Telma chorava e já o sabia. O queixo trêmulo. Telma sentiu frio, medo, raiva, nojo. Havia percorrido quilômetros e quilômetros de ruas e de si mesma. Ignorava, no entanto, que apenas começava. - Estou morrendo, pensou quase desfalecida. Um poste de iluminação pública ofereceu-se a sustê-la. Suava. Telma suava muito na hora do nascimento, que é a hora em que tudo é escuro e frio, como no parto pela mãe.
- Puta que me pari, não quero ver ninguém quando avançar para o irremediável. Quero apenas o tremor que se segue ao sacrifício e à dor.
Telma delirava. Estava quase fora do que não concebia, quase pronta para acontecer. A cabeça de fora. Faltava pouco. Vinho branco e Vivaldi no coração atrofiado do mundo, desejava. Telma levou a primeira surpresa ao encontrar o cordão já cortado e sangrando. Esgueirou-se, tímida. O dente esqueceu de doer, o nervo se aquietava. Ela vomitou um pouco o seu próprio líquido amniótico. - Telma, disse baixinho - Telma, você nasceu.
Telma nascida vergava no poste, a tarde tentou balançá-la, serena.
Um comentário:
Lindo, novamente, Biba. Estou me tornando repetitivo, mas não canso de ler e elogiar o blog. "Amava errado já que sentia certo e não o escondia" vai ficar martelando na minha cabeça por muito tempo. Eu sei. Um beijo.
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