terça-feira, 23 de junho de 2009

Junho estagnado

Este junho assim sangrado de fora a fora. Esse junho machucando os pés descalços lhe dá vontade de sumir. Os dias têm sido tensos. As noites de claridade que não se redime em alguma produção. O travesseiro, as florezinhas dos lençóis, suor e insanidade. Fechando os olhos ele se dá conta do escuro, mas é abrindo que não vê o céu. Estará cego de vontade de pensar? Cego de desejo de dormir um sono de anjos? O cigarro finda. Então percebe a brasa avermelhada. Então não está cego. É fome. É sede. É alguma coisa ligada aos ânimos e ao corpo. Objeta que é só cansaço de um junho que finda interminável. A manhã escorreu lenta como um fio de água na vidraça suja. Este junho assim desfeito é o que de melhor poderia acontecer a ele. Fecha os olhos novamente e suga o cigarro. Toda a nicotina. Para morrer dela.

domingo, 21 de junho de 2009

Vitor Ramil

Se um dia qualquer
Tudo pulsar num imenso vazio
Coisas saindo do nada
Indo pro nada
Se mais nada existir
Mesmo o que sempre chamamos real
E isso pra ti for tão claro
Que nem percebas
Se um dia qualquer
Ter lucidez for o mesmo que andar
E não notares que andas
O tempo inteiro
É sinal que valeu!

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Diploma de Jornalismo

Estou parada no meio do caminho e no meio do caminho, avisou Drummond, existe uma pedra.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Voltar é sempre aprender, como ir é sempre descobrir. Algo fica, algo vai, algo se renova. Pontes. É nelas que penso ao querer esse aprendizado. Elas unem duas metades, duas partes, dois interesses. As pontes nos renovam. (Veja As Pontes de Madison, por exemplo). Falo das pontes como metáfora, vocês já entenderam. Por isso, algumas delas, em tempos difíceis, podem ruir. Voltei com essa sensação, de que uma ponte ruiu no meu caminho e eu nem tive tempo de escapar dos escombros. Dói. Despencada e frouxa, desfeita. Dói. Mas, se voltar é aprendizado, tenho que tirar alguma coisa disso. Preciso ainda me refazer dos ferimentos. Como é bom estar de volta...

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Ele que amava tanto


Cabia tanto dentro dele, mas tanto, que pensou que era amor. Só o amor podia prometer tal preenchimento. Quantas vezes se olhou no espelho e pensou: "Sou um ser do amor mais amado". Ele , então, sorria. Quando o dia o alcançava cansado do trabalho, dava de ombros. Ia ao banheiro mais próximo e se olhava:"Estou envolto em amor". Mas logo corrigia: "Estou ensimesmado de amor". Passou-se o tempo e ele insistia: aquilo era amor. Uma sensação gorda, sem fome de mais nada que não fosse luz, liberdade, harmonia. Um dia ouviu a coruja piando e sorriu satisfeito: aquilo era amor vindo da natureza. Esbelto e fragmentado pelo tempo, ele começou a juntar as peças que faltavam e realmente tudo coincidia no mesmo texto escrito ou imagético: amor. Escreveu cartas. Fotografou o improvável. Bebeu licor de menta e chocolate. Adotou um gato. Correu livremente por entre as cercas que o separavam do campo externo. Nessas horas era sempre advertido pelo enfermeiro maior, aquele de olhos contraditórios. Nesse caso, ele voltava meio triste, mas ainda assim sentindo-se impregnado de amor. Não lembra quando deixou o trabalho, a mulher e os filhos. Não lembra como foi parar ali, que era um lugar de enfermos. Para ele, tão sadio, isso nem tinha importância. Importante mesmo é que ele era feito do mais puro e absoluto amor.

PS: vou ficar uns dias fora, aproveitem bem o seu tempo! Carpe Diem!!

sexta-feira, 5 de junho de 2009

O passado e suas teias

Eu fecho os olhos e nem precisava. Revejo tudo e não queria. Repasso quando quero me desfazer. Recuo querendo avançar. Talvez o dia não seja perfeito para rememorar. Nenhum é. Mas podia ter feito sol ou chovido, para não ser um dia abismático como foi. Teria olhado para trás de outro modo. O que importa realmente importa? Eu fecho os olhos e vejo. Lá está, como um enredo em flashback. Lá está, o passado todo. Vítreo, petrificado, sem as nuances que dele sempre guardei. Por que agora fica assim, tudo cinza-azulado enquanto as lembranças convergem a um portal de ideias insanas? Vítreo? Será mesmo que ainda sei distinguir esse espaço entre o ontem e o amanhã, que é meu hoje-agora-aqui? Fecho os olhos. Respiro. Dou um passo, outro. Talvez seja isso, ir em frente mesmo que vagarosamente. Com um certo temor. Dúvidas. Os olhos se abrem e a imagem congelada é a dele sorrindo um sorriso que só conheci naquele rosto.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Voo 447

Começou dizendo assim; "Alguma coisa aconteceu comigo". Era alguma coisa tão estranha que não sabia como falar dela. Olhou para os lados como a pedir socorro. Fechou os olhos. Colocou as duas mãos enluvadas na testa e chorou. Um choro manso, descabido. Ninguém ao redor. Tudo que nele havia agora era espanto e estranheza. "Alguma coisa aconteceu comigo que não consigo entender". E, entender é o que sempre sobra de nossos desdobramentos mentais. Os sentimentais também pedem entendimento. Era o caso dele. Não. Não queria falar sobre o voo. Só queria anoitecer assim, com aqueles olhos inchados de chorar e experimentar a dor pela primeira vez sem ela. Não descobriria tão cedo que o luto pede tempo e a ausência é sempre maior.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Decisão

Usava um chapeuzinho e todos os agasalhos a que tinha direito. Disseram que iria nevar. Dizem tantas coisas que ela mal pode acreditar naquilo. Anos passados houve a mesma informação imprecisa. Bastava morar na Serra Gaúcha para que logo surgissem esses boatos. Ela, enfim, enfrentou a manhã gelada quando a vontade era de ficar em casa, no quentinho. Mas, Bárbara tinha um compromisso importante. Na verdade um encontro em um pub novo na cidade. Pubs abrem pelo final da manhã e servem bons lanches. Esperaria por ele naquele local, como haviam combinado dias antes, por telefone. O frio quase a fez desistir, mas pensou que ele ficaria muito magoado ou coisa assim. Encontros desfeitos sempre deixam alguma marca, por pequena que seja. E, Bárbara não admitia fazer isso com alguém. Tinha dedos para tudo, como se diz, era "cheia de dedos". Ela ajeitou o chapeuzinho e os brincos de borboleta e sentou em um sofá confortável. Logo ele apareceria com aquele sorriso maroto. Ela se continha. Era avessa à demonstrações exageradas de afeto, quando, de fato, estava visivelmente apaixonada. Para Bárbara, ele não percebia nada. Era discreta ao cubo. Ele, no entanto, revelava seus sentimentos aos poucos. Uma mensagem no celular. Um telefonema insuspeitado. Um convite para o almoço no pub. Bárbara sentou e esperou. Tomou um café trufado. Olhou uns folhetos do bar. Cruzou e descruzou as pernas várias vezes. Observou as pessoas que chegavam. A cada vez seu olhar se iluminava, agora era ele. Porém, nada. O danado não apareceu. Ela, então, conformada, pediu outro café trufado e decidiu que nunca, nunca mais respondia um e-mail dele. Falar até falava, o trivial. Mas, a ausência dele era agora uma ausência para sempre.