segunda-feira, 30 de abril de 2007

Zeca Baleiro

"Ando tão à flor da pele
que qualquer beijo de novela me faz chorar
Ando tão à flor da pele
Que teu olhar flor na janela me faz morrer"

Telma

Um dente doía devagar. Na rua, a sensação se repetindo, o abandono crescia dentro, não sabia bem onde. As esquinas davam voltas enormes, parecia não haver como se afastar. Andava e o lugar não se modificava, como se caminhasse dentro de um círculo. Tonteava pelas ruas. Na boca, um gosto de chimarrão. Tentava não pensar, porque pensar era o que mais doía depois do dente.
As mãos agitavam-se nos bolsos fundos das calças. Ardia em uma febre insólita. Ao lembrar seu olho vazando o dele, sua boca tentando segurá-lo com palavras e uma língua úmida, escorregadia, era quando a dor se confundia com a necessidade de esquecer e, se fosse possível, varar o mundo de vez, estraçalhar-se contra ele, pegando-o desprevenido. Quase rastejava. Seu desejo era a possessão da vida.
Não, Telma nunca coube no mundo, ele sempre foi pequeno demais para ela, enlouquecida no amor e no ódio. Parou no meio-fio da calçada, olhou para os lados. O corpo dormente esperava alguma palmadinha que o revitalizasse. A febre sabia bem vinda de onde.
- Olhava para mim, me conduzia pelas entranhas do mundo.
A rua sucumbia a uma pequena avenida desfolhada. Não havia para onde ir, porque ou para quem. Soube disso assim, como quem descobre uma coisa qualquer, sem querer, sem entender direito. Nada ninguém lugar nenhum. O dente insistia. A pele suava, um abismo dentro do que fora perfurado. Chorava e não sabia, pois os olhos continuavam enxutos.
Queria odiar. Pensava na broca, no dentista, na possível anestesia. Telma odiava porque amava com brusquidão e desequilíbrio, com um certo estrabismo de gostar. Amava errado já que sentia certo e não o escondia. Nada ninguém lugar nenhum. O carro conseguiu travar a tempo. Por quê? Teria sido mais fácil, o asfalto lavado em sangue novo, quente. Vinte anos, repetia-se.
- Agora vou porrar em cima, vou me revirar, me contorcer, exacerbar esse ódio pela humanidade inteira.
Vontade de vomitar. Veio aquela fraqueza, a náusea. Os olhos embaçados e, lá no fundo, a febre. Maldita febre.
Telma chorava e já o sabia. O queixo trêmulo. Telma sentiu frio, medo, raiva, nojo. Havia percorrido quilômetros e quilômetros de ruas e de si mesma. Ignorava, no entanto, que apenas começava. - Estou morrendo, pensou quase desfalecida. Um poste de iluminação pública ofereceu-se a sustê-la. Suava. Telma suava muito na hora do nascimento, que é a hora em que tudo é escuro e frio, como no parto pela mãe.
- Puta que me pari, não quero ver ninguém quando avançar para o irremediável. Quero apenas o tremor que se segue ao sacrifício e à dor.
Telma delirava. Estava quase fora do que não concebia, quase pronta para acontecer. A cabeça de fora. Faltava pouco. Vinho branco e Vivaldi no coração atrofiado do mundo, desejava. Telma levou a primeira surpresa ao encontrar o cordão já cortado e sangrando. Esgueirou-se, tímida. O dente esqueceu de doer, o nervo se aquietava. Ela vomitou um pouco o seu próprio líquido amniótico. - Telma, disse baixinho - Telma, você nasceu.
Telma nascida vergava no poste, a tarde tentou balançá-la, serena.

Herbert Vianna

"E são tantas marcas
que já fazem parte
do que sou agora
mas ainda sei me virar"

PS: para ler ao som de Lanterna dos Afogados, Gal e Herbert, no acústico dela.

sexta-feira, 27 de abril de 2007

Goethe

"Na verdade, só se sabe aquilo que se sabe apenas para si mesmo".

PS: leituras obrigatórias de Goethe: Fausto e Werther.

Manhã de Outono

Parecia que seria verão sempre. Verão dos amores fugidios e do sol crestando nossas peles indefesas. Mas hoje acordei no outono, finalmente. E, por sentir saudade de casacos e botas (eu as adoro!), resolvi passear um pouco nessa manhã diferente. Fui ouvindo Jorge Drexler e seus doze segundos de obscuridade. Andei pela Júlio (tinha que ser!) e gostei de ver as pessoas com seus agasalhos. Gostei de sentir o vento cortante no meu rosto desprepadado para este beijo. E senti que era bom ter Drexler ao meu ouvido falando em soledad. Apresentei minhas credenciais... como ele e Maria Rita evocam na melodia.

quinta-feira, 26 de abril de 2007

Amelie Poulain

Belo e sensível, O Fabuloso Destino de Amelie Poulain ganhou minha atenção pelo inusitado e passou a ser foco nas aulas de Cinema e de Estética.
A estrutura narrativa fracionada, típica do cinema pós-moderno, é de uma engenhosidade criativa que emociona. A jovem garçonete Amelie (Audrey Tautou) é uma romântica incorrigível que viverá muitas aventuras para chegar ao seu amor. Ela também é uma espécie de fiandeira do destino alheio, resultando daí muitas de suas "traquinagens". O diretor é Jean-Pierre Jeunet.

Sartre

"Quis que os momentos de minha vida se seguissem e se ordenassem como os de uma vida que se rememora. O mesmo ou quase, que tentar apanhar o tempo pelo rabo". A Náusea

quarta-feira, 25 de abril de 2007

O Universo

"Penso que o universo se contém inteiramente em si mesmo. Não há começo nem fim, não há criação nem destruição". Stephen Hawking, físico inglês.

PS: um novo planeta foi descoberto e há indícios de que tem condições propícias à vida. Fica a 20 anos-luz da Terra.

Certeza alguma

Desce ao fundo
por uma corda.
Branca. Farpada.
Dentro, escarpas.
Um sonho?
Tonando cores
imaginando vidas
vínculos insanos.
Corro!
A luz do dia
apaga o sonho.
Sobe do fundo,
certeza alguma
de coisa alguma.

terça-feira, 24 de abril de 2007

Albert Einstein

"Existe uma paixão pelo entendimento, assim como existe uma paixão pela música. Sem essa paixão não teria havido nem Matemática nem Ciências Naturais".

The Wall

Hoje acordei com uma vontade de ouvir The Wall, a todo o volume como pede o som de Pink Floyd. É o que faço agora, enquanto agradeço aos meus leitores pelo carinho e incentivo. Recebo muitos e-mails pedindo dicas de filmes. Daqui a pouco sai, tá? E eu até poderia começar indicando o próprio filme The Wall, pós-moderno, intrigante, com imagens inesquecíveis. Vale conferir!

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Honestidade

"Ele dá entrevista na TV e fala a verdade? Sim. Vamos colocar no ar? Não. Por quê? Porque quanto mais ele diz a verdade, pior fica." Al Pacino em O Informante (1999)

Lembranças

"As lembranças são como rolhas que foram tiradas das garrafas. Elas se dilatam e não mais se encaixam".
Stones for Ibarra

domingo, 22 de abril de 2007

Wim Wenders

Wim Wenders, um dos diretores prediletos da Juli (Juliana Manto) e meu também, claro, ganha quatro DVDs de sua primeira fase. Para cinéfilos é como uma "biblioteca básica", né Delano?

A LETRA ESCARLATE Ano: 1973 Elenco: Senta Berger, Ángel Álvarez, Lou Castel, Laura Currie, William Layton

MOVIMENTO EM FALSO Ano: 1975 Elenco: Rüdiger Vogler, Hans Christian Blech, Hanna Schygulla, Nastassja Kinski, Lisa Kreuzer

NO DECURSO DO TEMPO Ano: 1976 Elenco: Rüdiger Vogler, Hans Zischler, Lisa Kreuzer, Franziska Stömmer

O ESTADO DAS COISAS Ano: 1982 Elenco: Isabelle Weingarten, Rebecca Pauly, Patrick Bauchau, Jeffrey Kime, Samuel Fuller, Roger Corman

Clarice Lispector

"Eu não tenho enredo. Sou inopinadamente fragmentária. Sou aos poucos. Minha história é viver. Sempre vivi com meu individual perigo. O individual de cada pessoa não significa a massa."
"Espero viver sempre às vésperas. E não no dia. O presente só existe quando ele é lembrança e só existe quando vai ser".
"Vida é o desejo de continuar vivendo e viva é aquela coisa que vai morrer. A vida serve é para se morrer dela."

sábado, 21 de abril de 2007

Por que hoje é sábado

Por que hoje é sábado penso no poetinha Vinícius que fez um poema assim: "Por que hoje é sábado...". Então lembro das luzes falsas dos cabelos das loiras tingidas; vejo o olho do gato arregalando-se para a presa; penso na loucura de Cho Seung-Hui tirando vidas inocentes e na mídia pingando o sangue delas; revejo as noites mal-dormidas e o sonho com os 7 meninos obesos; as ervilhas caindo ao chão... Por que hoje é sábado, queria pedir um pouco mais de paciência, cinema e pipoca, menos Colt, desilusão e guerra. E, mais Vinícius, sempre.

sexta-feira, 20 de abril de 2007

O espelho

O espelho me reflete
e um louco labirinto
no atrás da imagem:
teus olhos me olham
pequenos
e percebo que são meus
os teus olhos grandes
Tua mão me conhece
e há minha mão a
te desconhecer por completo
no peito estrangulado do silêncio
E um coração olhando esquisito
e é o teu silêncio esquisito
e teu coração estrangulado
que me espreitam
o tempo inteiro
Pelas costas da imagem
no espelho
eu te permito me ser
mas eu é que te sou
Pois de mim nada
consegues ser além de ti.

quarta-feira, 18 de abril de 2007

As Horas

"É preciso encarar a vida sempre... Para amá-la como ela se apresenta. E depois você a descarta."
Nicole Kidman como a escritora Virgínia Woolf, em As Horas (2002)

terça-feira, 17 de abril de 2007

Caio F.

"Contar é desemaranhar aos poucos, como quem retira um feto de entre vísceras e placentas, lavando-o depois do sangue, das secreções, para que se torne preciso, definido, inconfundível como uma pequena pessoa. O que conto agora é uma pequena pessoa, tentando nascer "(1983).

PS: Na nona revista Conexão - Comunicação e Cultura, do Departamento de Comunicação da UCS, editada pela Profª Doutoranda Branca Solio, você encontra um artigo meu sobre Caio F. O título: "Domínio do Irremediável em Caio: Palavra/Imagem".

Dia Cinza

"Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu"... Nesses dias é melhor assistir um episódio antigo de Lost ou ouvir Elis até cansar. E a gente por acaso cansa de ouvir Elis? É só um modo de dizer. Melhor também é pensar que basta um dia "para aplacar toda agonia". Fico citando Chico e penso que outra coisa boa de se fazer é assistir seus DVs, ouvir suas histórias e aprender com elas. Vá lá, hoje o dia está um pouco cinza...Acontece...Ou seria um dia branco?Que na verdade está por acontecer?

domingo, 15 de abril de 2007

As Palavras

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse na resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 13 de abril de 2007

A vida e o mistério


Na vida, se soubéssemos as
consequências de cada coisa,
o entusiasmo perderia a razão de ser.

O desconhecido tem apelo
precisamente porque é misterioso


Alfred Hitchcock

Hitchcock

Quem já me conhece sabe da paixão pelo mestre do suspense, Alfred Hitchcock. Aqui, alguns itens sobre o genial cineasta:

ADMIRAÇÃO MÚTUA: Luís Buñuel.

ALMA: Script girl, montadora, colaboradora em tempo integral, aquela a quem escutava em qualquer momento, Alma Reville foi mais do que a mulher de Hitchcock: foi, efetivamente, sua alma. Para um católico, não é pouco.

CATOLICISMO: Veja O Homem Errado e A Tortura do Silêncio.

COMIDA: Um gourmet.

EFEITO: Todo efeito existe para desaparecer no filme, para melhor expressar a realidade. O que se vê no set pode ser falso; o que se vê na tela tem de parecer real.

ESPELHO: O espectador é um voyeur. James Stewart, em Janela Indiscreta, ocupa o lugar do espectador, não só pelo voyeurismo como pela imobilidade (está preso à poltrona, com as pernas quebradas). O filme reflete a um tempo sobre o ato de filmar, de ver um filme e sobre o cinema propriamente dito.

HUMOR: Britânico. Ora irônico, ora cínico, sempre distante. Componente essencial de seus filmes.

LINHAGEM: Veja Janela Indiscreta, de Hitchcock, depois Blow Up, de Antonioni, em seguida Blow Out, de Brian De Palma.

LOIRAS: Uma obsessão. Favoritas: Ingrid Bergman, Grace Kelly, Tippi Hedren.

MESTRE MAIOR: F.W. Murnau.

SEXO: Casado, com vida sexual precária (ele dizia que era inexistente), ao mesmo tempo ligava-se de maneira obsessiva a algumas de suas atrizes (Tippi Hedren, Vera Miles), que tratou não sem certo sadismo durante as filmagens.

(Pesquisa Folha de S. Paulo)

quinta-feira, 12 de abril de 2007

A vida...

A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes.
O que vemos não é o que vemos, senão o que somos.

Fernando Pessoa

O Imprevisto


Um trecho de um conto do primeiro livro da Biba, que você encontra pela web e na Livraria do Maneco. Enjoy!


Juliette

Se você não me interromper, eu conto. O nome dela era Juliette, como a Binoche. Tão linda quanto, você poderá dizer. E era. Só que mais magra menos morena e mais alta. Eu a vi pela primeira vez perto do hotel onde ficamos hospedados, depois na Gare du Nord e na padaria, aquela da esquina onde comprávamos croissants. Ela parecia fantasmagórica às vezes. Usava uns vestidinhos floridos ou com estampas geométricas, nunca lisos. A fantasmagoria vinha de um certo alheamento, uma certa expressão de ausência que eu notava nela. Um dia, por exemplo, ela atravessou a rua como um autômato e foi surpreendida por um ônibus. Eu corri ao encontro dela que não quis ajuda. Ergueu-se insolente e seguiu, perna esfolada no asfalto.
Claro que você não se lembra dela, você queria passear e conhecer monumentos, museus, a torre, a Champs-Elysées enquanto eu queria algo que nem eu sabia o que fosse. Foi conhecendo Juliette que presumi que eu queria um grande amor, desses em que a gente transforma a amada em um objeto de desejo quase inatingível. Sei que você não compreende. Tome seu conhaque, se aqueça e me escute, por favor. É que estando aqui novamente, não posso deixar de pensar nela. Um dia, um raro dia de sol, a gente estava caminhando pela Montmartre, você queria ir naquela livraria... esqueci o nome. Pois é, estávamos entrando naquela galeria quando eu tive certeza de tê-la visto. Você seguiu em frente e eu fiquei dando voltas sobre mim mesmo, procurando.

quarta-feira, 11 de abril de 2007

Leminski

Vezes por conta tenho vontade
de que nada mude
Meia volta vou ver
mudar é tudo que pude

Cecília Meirelles

Renova-te.
Renasce em ti mesmo.
Multiplica os teus olhos para verem mais.
Destrói os olhos que tiverem visto.
Cria outros, para as visões novas.
Destrói os braços que tiverem semeado,
para se esquecerem de colher.
Sê sempre o mesmo.
Sempre outro.
Mas sempre alto.
Sempre longe
e dentro de tudo.

Adoniran

Hoje, passei a manhã escutando Adoniran Barbosa, graças ao Diogo (ver Blog do Diogo, ao lado) que coleciona os grandes da música brasileira (Noel Rosa, entre outros). A simplicidade e o texto popular são geniais no cantor e compositor do Bixiga (SP). Para quem ainda não teve contato, vale como dica. Não há nada melhor do que um sambinha para clarear as idéias. "De tanto levar frechada do teu olhar/Meu peito até parece sabe o quê?/ Táubua de tiro ao álvaro/ Não tem mais onde furar..." Adoniran e Elis, não é o máximo?

terça-feira, 10 de abril de 2007

Charles Dickens

Tudo está dentro de ti: o caminho, a vida, o paraíso e o inferno

Oscar Wilde

Quando o homem encara a vida de um ponto de vista artístico, o
cérebro passa a ser um coração

segunda-feira, 9 de abril de 2007

Lugar para os clássicos

O Expressionismo Alemão ou o Surrealismo - vigor pleno das estéticas das vanguardas históricas do início do século XX-, podem ser revisitados através de obras consagradas. Ao espectador oferece-se o prazer de (re)descobrir a qualidade do primeiro cinema, aquele que ainda buscava a sua linguagem e ensaiava os primeiros efeitos especiais nos anos 20/30. São os grandes mestres da cinematografia mundial que ensinam essa lição envolvente.
Clássicos como A Morte Cansada e Os Nibelungos, de Fritz Lang; Aurora, de Murnau, Quando Fala o Coração, de Alfred Hitchcock (entre outros do mestre do suspense); Nascimento de uma Nação e Órfãs da Tempestade, de David W. Griffith - um dos pioneiros do cinema norte-americano -, são uma oportunidade de se compreender as primeiras tentativas ousadas de utilização dos recursos de câmera, iluminação, cenários e efeitos, tão surpreendentes quanto difíceis de realizar à época.
Encouraçado Potemkin, obra-prima de Sergei Eisenstein, assim como Outubro, não menos importante na história do cinema, são obrigatórios a qualquer cinéfilo que preze sua condição. Não menos essencial é o olhar intimista de Andrei Tarkovski (O Sacrifício) e de Ingmar Bergman (Gritos e Sussurros) por exemplo, assim como um Wim Wenders cáustico e enigmático nos anos 70 em O Medo do Goleiro Diante do Pênalti. Akira Kurosawa (Ran), Alain Resnais (Hiroshima Mon Amour), Jean-Luc Godard (Je Vous Salue Marie) e outros cineastas de estirpe contrabalançam o arsenal técnico/virtual de um cinema tão pós-tudo que às vezes tira o espectador do sério.
* A maioria dos filmes citados você encontra na San Remo (Borges de Medeiros, 809).

domingo, 8 de abril de 2007

Cinema...

Há mais harmonia nos filmes do que na vida. Os filmes sempre continuam, como trens à noite.

François Truffaut

Há filmes que vi oito, quinze vezes. É possível viver sem Hitchcock e Rosselini?

Gianni Amico em Antes da Revolução (1964)

O Livro...

O livro é um amigo de tamanho razoável que carregamos fácil, que lemos até à luz pálida dos quartos de hotel ou de aviões, que só precisa ter palavras alinhavadas para o prazer da nossa sensibilidade e cérebro, que poderíamos ler em voz alta, como na Idade Média, e que é a vecchia zimarra do espírito. (FSP, 18/10/90)

Paulo Francis

sexta-feira, 6 de abril de 2007

Budapeste


Muito se falou sobre Budapeste, último livro de Chico Buarque. Várias críticas podem ser encontradas em seu site (veja coluna de sites), para quem é mais curioso. Faço aqui meu comentário: o livro é genial, daqueles que a gente tem que ter sempre por perto para uma releitura. José Costa é um gost-writer que se apaixona pela língua manjar e fará de tudo para aprendê-la. Sua trajetória, entre Rio e Budapeste traz inúmeras aventuras e desventuras, tudo em um ritmo frenético. Uma curiosidade: Chico sempre gostou de fazer mapas, daí que fez o de Budapeste não tendo nunca ido conhecer a cidade enquanto escrevia. Um toque a mais de criatividade neste livro que é feito dela.

quinta-feira, 5 de abril de 2007

Jorge Luis Borges

Yo temo ahora que el espejo encierre
El verdadero rostro de mi alma,
Lastimada de sombras y de culpas,
El que Dios ve y acaso ven los hombres.

Fernando Pessoa

"Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias."

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Oliveiras



"Gravarei tudo o que encontrar,
gravarei todos os meus segredos
numa oliveira no quintal de minha casa."
Tawfia Zayyad


A chuva deslizava lenta pela vidraça. A poeira dos dias nela acumulada, escorria grossa. Tristemente. Por trás, inventando curvas na janela, um rosto pálido olhava o vazio da cidade adormecida. Ao telefone a voz parecia tonta, a tal ponto que ele se julgou também entontecido. Ela pediu que viesse. Que fosse rápido. Urgência no tom cambaleante e meio ameaçador. Nenhum indício desse silêncio desgrenhado de agora.
"Este já é o terceiro". O uísque não é dos piores e seu estômago se aquece. Uma certa indiferença vai tocando por debaixo da vontade de entender o que se passa. Ela continua a olhar o oco da cidade, talvez velando pelos seus segredos. De repente, ele lembra de uma tarde de sol em maio quando ela dissera que viajaria para Beirute. Falou da terra. Judeus, árabes, palestinos. Gentes que conhecia. Lugares. Um palestino em especial.
- Minha avó era libanesa. - O silêncio enfim se preenchia. - Meu pai sempre voltava lá para rever os parentes. Uma vez, eu era pequena, fui com ele. - Olhou-o com dissimulada franqueza. - Quero rever aqueles paradeiros. Vou revirar-me um pouco.
Naquela tarde de maio, no parque, distraída ela roía as unhas. Possuía um jeito de quem inventa mundos inalcançáveis. Os cabelos levemente crespos iam caindo sobre a testa enquanto caminhavam entre as árvores e ela puxava a coleira do dobermann que insistia em ficar para trás. Ainda não havia a guerra. Agora, servindo-se do quarto uísque - a dose exagerando-se no copo - ele vê uma mulher que tenta a coragem de confidenciar algo. Qualquer coisa que parece doer ou simplesmente incomodar. Algo entre um segredo e uma revelação.
Na parede, fotos da família. Um poster. Beirute... Qualquer coisa punha-o agitado. A vista da cidade, talvez. Ainda ontem, pela televisão... Beirute abraçando as bombas num desesperado gesto que lhe pareceu dizer da inutilidade de ser uma cidade. De estar plantada sobre um solo fértil. Seus olhos superpunham à Beirute amena do quadro, que fazia lembrar oliveiras, uma outra, arrasada.
Viu através da janela que a chuva diminuía, o olhar vago em um luminoso qualquer. Sobre a mesa ele descobriu um envelope. Um vidro de almíscar. Um resto de torta em um pires. Frutas sobre uma cestinha de vime, um guardanapo. Natureza morta. Pensou então na Beirute agônica, desfalecida, enquanto ela voltava os olhos negros na sua direção. Diante dele, a mão dela estendida. Percebeu uns dedos longos. Umas unhas claras e roídas. Desfalecidas também, elas, as mãos trêmulas sobre o envelope. O instante de hesitação até pegar a carta nas mãos pareceu-lhe não ter fim. Sentou perto do aquecedor. Viu que ela bebia do seu copo de uísque.
Não entendeu nada. Mas era uma carta, devia ser. Ele enxergava tudo enviesado. Havia o envelope entre seus dedos, uma letra miúda mal se sobressaindo no papel. Um carimbo. Selos. Beirute, leu em algum lugar, talvez dentro. Era impossível compreender, o cérebro travado pelo álcool deixava-o amortecido.
- Beirute..., ela falou com uma voz intensa. Não que houvesse dor. Ou mágoa. Havia falta. Apenas isso, ele entendeu. Quis dizer que sim, desistiu. A penumbra não o deixava observar melhor a expressão dela, por isso não soube - senão adivinhando - que ela possuía um aspecto de oliveira jovem ao revelar: “Meu coração está em Beirute”[1]. Para sempre, ele suspeitou.
[1] Alusão a título de uma reportagem impressa nos anos 70

Eu gosto...

"Eu gosto dos que têm fome. Dos que morrem de vontade.
Dos que secam de desejo. Dos que ardem..."
Adriana Calcanhoto

A vida

"A vida não está aí apenas para ser suportada ou vivida, mas elaborada. Eventualmente reprogramada. Conscientemente executada.
Não é preciso realizar nada de espetacular.
Mas que o mínimo seja o máximo que a gente conseguiu fazer consigo mesmo".
Lya Luft